Domingo, Janeiro 18, 2009

I walked a world of empty streets

Era uma vez num sítio errado, com as pessoas erradas, com tudo errado…
Estúpida. Sou mesmo estúpida. Apesar de saber tudo isso, insisto na estupidez. Nesta construção lenta do meu amor nos teus braços que tardam e nunca chegam. Porque o amor não depende das escritas, das letras, dos poemas ou das flores em que insisto. Depende dos olhos. Dos teus, convenhamos. Mas, a transparência não é teu apanágio. E a sensatez não me conhece.
Lembro-me todos os dias que um analfabeto pode ensinar um poeta.
Como pôde um fósforo atear este fogo imenso? Esta dor. Amarga dor. Doendo, tingindo, sangrando. O tempo não cura tudo. É um bom anestésico, apenas isso e pouco mais. A distância só adormece, não salva. Quando te olho tudo volve e há aí uma morte que queima, vezes sem conta. Porque o amor é um abandono e tu partes sempre ao primeiro sorriso que te coloco nos lábios.

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Quinta-feira, Dezembro 11, 2008

"Realidade destroçada"

Mesmo que fossem só estas quatro paredes
Só estas paredes de tempo
Onde caiba uma rosa
Só estas paredes entre a linha do amanhecer,
O meu querer
E o fim do mundo
Só uma inscrição na pedra,
Cheia de musgo,
A alastrar a sombra
E o devastador Dezembro

Apetecia-me dizer
Meu amor e cantar
Para sempre

Meu amor

E esta, a palavra
A repetir-se,
Vocativa do meu grito,
Sinal desse silêncio que não me permite
Esquecer-te
A vida toda

Meu amor

Eu que num encantado gesto
Definitivo e imortal,
Amei-te
Quando procurava o sol na solidão

Meu amor

E te perdi sem nunca te ter achado
Nesse canto fino e aguçado
Que é a fuga

Meu amor

Eu que perdi o passado
E bebi o vinho de todas as garrafas
Só para disfarçar o sabor do sangue
Por não te ter

Mas nada disto, meu amor,
Cabe numa só palavra
Porque amor não é uma palavra para mim
E por detrás do poema
Nada existe.

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Sábado, Dezembro 06, 2008

O centro do mundo

Com o corpo nu,
Enquanto tocava no centro
Do mundo,
Reparei nas pequenas cicatrizes
De vida

Além das tatuagens
Cravadas
Na pele:

O corte no joelho da bicicleta
O tornozelo com um pequeno defeito
E depois parei.

Como será que depois de ti,
estará o meu coração?

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Sábado, Novembro 29, 2008

Um discurso apaixonado não é um discurso justo

Diz-me que sabias tudo desde início. E que sabes agora como se nem sequer houvesse tempo. Que essa frincha estreita que encontraste foi o suficiente para me trespassares o coração. Só pelo prazer de me fazer sangrar do peito. Admite cobarde. Reconhece que me matas todos os dias, qualquer que seja o intento de te esquecer. Consente que gostas de brincar com a minha alma como se brinca com um pião colorido no recreio da escola. Acaba com isto que eu não aguento mais. A verdade é que és um empecilho na minha vida. Não respiro. Tu não percebes ou finges não perceber a verdade do que sinto. E eu não sei como explicar que só tenho os meus olhos para te abraçar. A minha carne deixou de ser minha quando te conheci e nada me responde. O que mata não é o tempo ou a espera. São os olhos vermelhos de tanto chorar, primeiro por desgosto, depois pela raiva de chorar. Não passo um dia sem te desejar, nem uma noite sem te odiar. Sinto-me tão a mais nesta ânsia.
Porque foges ciente da pele da minha mão? Observas-me indiferente e todas as minhas palavras bonitas, trabalhadas, morrem rapidamente nos teus olhos. Esperei a vida inteira por alguém como tu e cedo percebi que não sei quem és. Por ti mudei a ordem natural das coisas, ainda que aches que nada é assim.

Que se foda a verdade. Que se foda quem não acredita nela.

Vanessa Pelerigo

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Sábado, Novembro 15, 2008

Ainda podemos esperar em silêncio

Ainda podemos esperar em silêncio, sei-o agora. O silêncio consegue explodir veias, dizer tudo: o orvalho das ameias, a rotina dos gestos, a mão que demora a sombra nos lábios, corpos de mar e céu sem se tocarem, o desassossego das ausências.
Quando de noite há mais clareza nos meus olhos sei que o que dói não é o silêncio, mas o teu nome em todo o lado a mendigar o meu amor, a tecer um e outro (e outro mais) regresso ao meu peito, sempre em abandono. Os teus restos estão espalhados por todo o lado - planícies de tempo já sem tempo. E andas por aí a passear-te e eu aqui a fingir que vivo. A fingir que sei respirar quando tu não estás, quando os dedos são tãos frios que se torna impossível escrever as entranhas. E o teu perfume a esquartejar-me os sentidos, a debelar-se contra um amor que nasce e morre todos os dias. Pudesse eu achar-te entre a carne que aperto com as mãos, no meio da ternura que me sufoca e não me deixa falar.
Não há paz quando os meus beijos não nascem já na tua boca e na tua pele não tacteio o meu desejo. Podes orgulhar-te. Dizer ao mundo que todos os poemas são para ti. Que poderia ter sido para sempre. Este amor.

Ainda podemos esperar em silêncio, sei-o agora. Mas, há muito que te chamo e na minha garganta se escreve com sangue. E tu não vens.


Vanessa Pelerigo

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Domingo, Novembro 09, 2008

Cegueira

Desço e, depois de um cigarro
A lembrar uma boca a saber a lágrimas,
Escolho com minúcia
O que me deve matar primeiro
Às vezes basta-me o frio dos dedos
O vazio das palmas das mãos
E o sono que nunca vem
Noutras basta-me
Não te ver.

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Quinta-feira, Setembro 25, 2008

Tens o resto da tarde para sair daí

Gosto de um guarda-chuva grande, daqueles com um bico. E de ir para à praia com frio. Quando a chuva acaba dá para escrever o teu nome na areia molhada. Lembro-me da extrema violência que me invadia quando o fazia. Tão bem que as minhas mãos não a conseguiam afugentar. Os dedos tão gelados e tão fortes.
Nunca medi tanto as palavras, não fosse alguma matar-me de arrependimento, mas a verdade é que vi sempre o meu nome, por aí, à procura do teu. Triste, cabisbaixo, taciturno, em penitência. Quando somos novos, mostramos a paixão com orgulho no meio da rua, no autocarro, na sala de aula. Mais tarde, vivemos a paixão errada no sítio certo à hora errada. Problemas de tempo. E eu gosto de me rever todos os dias a polir as horas em busca da perfeição. À procura de ti. E só vejo a minha alma a trair-me com as tuas recordações. Já dei uma parte de mim para te ter. A mais valiosa. Só que, às vezes, sinto-me forte, capaz de enfrentar o mundo nesta minha condição de mutilada; noutras cedo ao pânico.
Todas as pessoas têm dentro terrenos baldios. Espaços sem dono, vazios e extremamente reveladores. Como as caixas de sapatos - não pelo que são, mas pelo que conseguimos lá guardar. É aí que moram bilhetes com apenas um verso, cartões com despedidas, rosas secas, fotografias, cartas por enviar. As primeiras lágrimas, os primeiros sonhos de gente grande e a inocência que, a páginas tantas, nos traiu.
Todas as histórias belíssimas são dramáticas. A nossa não fugiu à regra, fugiu-nos a nós. Para bem longe. E o problema é que nunca fizémos amor.
O grande trunfo do Amor foi convencer as pessoas que não mata. Mas, mata e cega e eu preciso que tu me cegues. De alguém que me prive da realidade e me faça sonhar. Tens o resto da tarde para sair daí.

Vanessa Pelerigo

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Segunda-feira, Setembro 15, 2008

Uma estrela

Tatuei uma estrela no ombro, na esperança de inventar a eternidade na minha pele. É quase sempre assim: deixo-me levar pelas dores que me pontuam a vida e pelos sonhos imperfeitos. A definhar de mocidade, nos restos da noite. Ponho-me a olhar para fotografias à espera de qualquer coisa conhecida como o crepitar das chamas na noite do mundo. Uma voz a balbuciar-me o teu cheiro. Rostos a arderem devagar na minha memória cheia de saudade do que não foi. Se te expulso dela, então não me restará mais nada.
É inútil dizer que o tempo tudo cura. Há dias em que se esquece dos sulcos cravados no coração, das cicatrizes no rosto da alma, mas depressa faz frente a uma esperança impossível e tudo acende. Tudo desperta, até a ave magoada. E eu, sem conseguir respirar. Um aperto que me carcome os sentidos.
O que me falta é outra coisa qualquer. Espero. Respiro. Apenas um ranger de dentes na voz exaltada do amor. Um amor quase sempre a sucumbir no teu regaço. Gosto de ti, sem conseguir explicar porque ainda gosto e porque me recuso a deixar de fazê-lo. Foi sem querer que me comovi. Mas, eu sabia que isto não podia durar para sempre. O Inverno sempre arranja maneira de se anunciar nos meus olhos. E um silêncio para poder gritar.
Não consigo dormir e acabo por me desvelar na hesitação da escrita.

Vanessa Pelerigo

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Domingo, Janeiro 06, 2008

Tudo por uma espera

Há gritos intransmissíveis à espera que me aconteças, convencido do teu pecado. Respirações frágeis, condensadas pelo frio e pelo vazio. A beleza pode doer-nos mais do que nos dói a dor. Aniquilar-nos por completo. Afinal de contas, sonhar é decretá-lo.

Ama-me contra o tempo. Desmancha-me em cada volta eterna do teu corpo.

Vanessa Pelerigo

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Segunda-feira, Novembro 05, 2007

É uma dor que se agrava quanto mais me minto

Convenço-me que não. Que nada do que sinto é real, que dói-me aqui o peito e este aperto é do calor, é falta de ar. Só pode ser. Afinal, 33 graus são suficientes para a taquicardia. A roupa é pouca. A pele queima os ossos e tudo se estreita quando te penso. Mas, não. Não te penso. Não penso. Sangro demais por dentro para pensar. É do Verão esta ferida, esta desidratação de amor. O melhor mesmo é beber qualquer coisa fresca que me acaricie a boca e me gele o sentir. Saio talvez para lanchar, peço um sumo de laranja bem frio, um pastel de nata, uma torrada, qualquer coisa que me distraia os dedos da escrita e a alma de ti. E pronto, deve bastar. Pego no carro, abro a capota e a aflição não passa. Sem nó nem piedade, um sufoco apodera-se do corpo. Pesam-me os olhos, as mãos. Primeira, segunda, 60 km/hr e o vento a esvoaçar-me o cabelo e o juízo. E arde-me a saudade. Persuado-me que não é saudade. Claro que não é saudade. Como pode haver saudade de algo que nunca existiu senão no coração alcatifado? E eu afrontada, vidrada no alcatrão que sempre me abraça a mágoa e a vontade de fugir. Acelero sempre ao sinal vermelho. Tenho pressa de viver, de tocar o céu. Que ideia parva, tocar o céu. É tão mais fácil bater com a cara no chão, desfazer todos os sonhos nos rails do impossível e da desilusão. Travão a fundo. Milonga del Angel do Piazzola a vibrar-me os sentidos. Chega. Páro. Merda para o calor, a culpa é do aquecimento global e das pessoas. Que raio de ideia de destruirem o planeta e, aos poucos e poucos, a minha respiração. Dou por mim quase em sufoco por não te ter, mas a culpa não é tua. É mesmo desta brasa que me rasga a paz e o viver. Que culpa podes ter tu. Nenhuma, obviamente. Talvez devesses sossegar-me a inquietação com os teus braços. Estremecer-me com a tua boca nos meus lábios, mas não. Agora está muito calor. A ansiedade mistura-se com este ardor incandescente e com a inflamação do meu peito. Uma bebida bastaria e já falta pouco até à pastelaria. Entro. O pior já passou. Aqui o ar condicionado, quase gélido, insensível a este fogo e a ti basta. Mas, não basta nada. Porra, logo havias de ter decidido vir para aqui também tomares um chá para acabares com o glacial que te cobre o querer. Raios me parta a escolha e este desassossego. Digo boa tarde, só porque está calor. E para me convencer que não. Que nada do que sinto é real, que dói-me aqui o peito e este aperto é do calor, é falta de ar. Afinal, amar alguém assim é impossível.

Vanessa Pelerigo

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Segunda-feira, Outubro 23, 2006

Ousadias

Roubei-te um livro, ainda, com dedadas na capa
Daquele óleo de côco que te massajava a pele
E a ponta dos teus dedos.

Ab initio,
Com que cláusulas
Contratámos as minhas mãos
Ao teu corpo?
E os teus lábios,
Ameaçando a perfeição?
Contesta as acusações,
Sem dolo ou erro,
E dá-me o teu parecer
Deste amor
Sui generis

Escreve nos autos
Da alma
As fraquezas dos sentidos,
Os momentos
Que hão de chegar
Amanhã
Em qualquer despacho
De juíz.

Intima-me para que te beije
Não preciso de mais provas
Para gostar de ti.

Amo-te.

E por mais diligências
Que tome,
Nunca sei quando voltas
Para mim

Impugno a distância
E a saudade
Para te ter.
Que a solidão é
Chegar a sofrer com as manhãs

E tu alega o que quiseres...
Autua-me,
Avoca-me,
Prende-me aos teus pulsos
E ao teu peito
À revelia.

Processa-me!


Vanessa Pelerigo

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Sexta-feira, Agosto 18, 2006

Freepass to everywhere

Por muitos lugares onde vá, sempre te encontro. E nada é igual quando o mundo fica suspenso numa tarde de Verão a teu lado. Alentejo solto, bafejo quente a secar-nos a pele, a romper desejos e a traçar sonhos em corpos sem bússola. Hoje, para Sul? E, amanhã, depois?
Quero entrar no teu circo e equilibrar-me neste amor. Mergulhar de cabeça e afundar-me nas palmas das tuas mãos. Há-de queimar-te esta distância.
Não me olhes assim. Não sei o que dizer dos olhos que me apresentas. Tanta luz! Quase que não me deixas lugar para os sítios escuros onde me escondo de ti.
E já nem o silêncio disfarça cada centímetro teu a rasgar o regresso.
Parto antes. Uns minutos antes do fim do palco. Quanta doçura no teu sorriso. Até já...

Faço a cama e amanheço sem que tu sejas o centro do meu mundo.


Vanessa Pelerigo

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Sábado, Junho 17, 2006

O Amor que tenho não cabe aqui

Parto, uma vez mais,
Em busca dos teus braços

Passo muitas vezes por sítios onde fui feliz,
É um hábito meu.

Percorro a cidade,
Dou cada passo
Como se ainda voltasses
Às vezes perco-me, outras vezes não me encontro.

Vens e para mim hoje é sempre
A minha boca é tua.
Chega-te mais

O Amor que tenho não cabe aqui

Em nenhum porto

- Cabe sim.


Gravo as tuas palavras finais e beijo-te


Vanessa Pelerigo

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Sexta-feira, Abril 21, 2006

Afreudite

Quantos dias tem o mundo,
Quanto tempo já sem fundo tem o meu amanhecer?
Quantas horas o verso é grito
E o desejo pássaro aflito onde o amor é só se ser?
Com que voz te brado ao céu e te falo de Afreudite
Que tudo isto é apenas saudaude.
Qual barco em qual cidade
Qual luz qual verdade,
Se te deixo aqui ficar
Sossegado, no meu peito, quase morto
À espera que os teus olhos sejam todo o Porto
Que me prende para me abraçar


Vanessa Pelerigo

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Quinta-feira, Março 23, 2006

Blind

Amar-te é perder-me no sentido das coisas,
No rasto do desejo que não é arma,
Mas gatilho.

Onde tu estás é natural que doa.
Começaste a cortar aqui e ali
Até a raíz se desprender, sem notares.
Arrancaste as palavras

(Uma
a
Uma)

Numa pausa para um cigarro.

Como não me perder
No lento e profundo mapa do teu corpo
Se descubro o teu rosto
E o escrevo no esboço do poema...

Voltei aos teus braços
E desapertei-te todos os nós

Com delicadeza,
Os meus dedos emaranharam-se em ti
E quis deixar-te ali a última linha
Gastando o meu corpo até que o dissesses
Teu.

Havemos de dizer
Para sempre

- Para sempre -

Nem que eu rasgue um pouco as minhas mãos
E o silêncio seja inacabável.

Porque não te deitas no meu colo
Enquanto a noite se apaga em ti?

Meu amor,
Devias ser o último a partir...


Vanessa Pelerigo

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Sexta-feira, Janeiro 06, 2006

Ficar

Neste lugar que amo,
As tuas mãos, pedaços de noite,
Em silêncio
- Silêncio total -
Dentro do poema,
São janelas de luz

Como nessa manhã
Que o meu corpo ao receber-te
Foi o porto, balizado de ternura,
Como o mar
E de dor a arder no teu nome,
A descobrir nesse peito ferido
A vontade e o desejo e o medo de ficar



Vanessa Pelerigo

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Quinta-feira, Setembro 15, 2005

Acordei cansada com os sonhos

Amamo-nos nas curvas do tempo
Contra o fumo dos cigarros
E o silêncio das palavras

Amamo-nos sem pensar
Noutros gestos
-Tantas manhãs-
Onde tardavas.

(Evitei o sempre nos poemas em branco,
O amor estilhaçado dentro das lágrimas
E a dor que não se vendo, magoa tanto...)

E, agora, nesta insónia repentina,
Quanta solidão é estar-se assim
De peito aberto?

Porque eu sou o teu nome
quando me tocas ,
Nesse abraço onde me entrego

E, quando partes,
A mais profunda perda
De não estares por perto.


Vanessa Pelerigo

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Sexta-feira, Julho 29, 2005

Não quero adormecer e acordar sem ti.

Mergulhar desamparada nos teus gestos
À espera de que na tua boca aflore, uma vez mais,
O meu nome.
E depois, o teu sabor trancado nos meus lábios
O teu cheiro nas minhas mãos
E a saudade.

Vanessa Pelerigo

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Segunda-feira, Junho 20, 2005

Morre Comigo

São as mãos vazias que te abraçam
Por entre os versos no chão deste
Teu poema.

Costumas dizer-me que a noite morre nos meus olhos
Como o amor
E o meu pânico cresce.
Como pode morrer o amor?

Há horas em que sei que o único abrigo
És tu com jarras de silêncio
Onde me desfaço
E noutras vezes
(tantas vezes...)
É na tua voz que me invento e renasço.

Porque o homem que procuro
No tempo vencido
É só um pouco mais de esperança
Nesta madrugada
Que me desenha
Outra insónia mais a magoar-me,
Outro dia a amanhecer
Que me alcança

Não adormeças.
Deixa as pálpebras em êxtase
Perturbar este silêncio
Que me invade
Como a solidão

E, depois,
Vulnerável e ferido
Deita-te a meu lado
Sem nome, sem música, sem mar
E morre comigo.

Vanessa Pelerigo

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Domingo, Maio 22, 2005

Contornar-te a respiração
Nas palavras que dissemos
Esta noite
Como em tantas outras
De mãos dadas.

Desenhar-te - de rosto inteiro
Na ternura do amanhecer –
Devagar para que não despertes.

Vanessa Pelerigo

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Quarta-feira, Abril 13, 2005

Confesso

Confesso: não sei se sou amada por ti...Fosse tudo o que fosse este modo de amar que é silêncio e tudo o mais o espaço em que a ausência está só...
Porque há pouco passava por ti e só as tuas mãos me pertenciam na noite clara do teu peito. Da tua pele sei pouco, a não ser que é macia e é dela que me alimento quando chamo o teu nome. As ruas são, apenas, o único ponto sem oscilação, onde se tece a respiração. São estreitas. Demasiado estreitas para te poder algum dia abraçar.
Em passos rápidos e curtos, calcorreio a cidade. Bebo dos passeios, das pessoas encostadas aos muros e engulo. Às vezes, parece que fica um nó na garganta e a saliva corta como se fosse um agudo seixo com que me rasgo. Agarro rapidamente num copo de água e como em jeito de auto-medicação espero que as lembranças se afoguem, que o diaframa se contraia de tal modo que nada mais existirá que a possibilidade de desmaiar e adormecer.
A espera coalha. Eu canso-me de estar à espera desta espera que um dia te espera amar. Como se houvesse aquela ternura com que te olho desfeita em ínfimas parcelas de medo e de reclusos beijos que, a pouco e pouco, escorregam dos lábios. De novo, levo o copo à boca. Mais um gole. Sobre a poeira da mesa e dos livros, abertos ao acaso, ostento as palavras. Visto-as de luto e sobre a campa deposito flores. Creio que morro aos poucos, também.
A sede estanca. As flores murcham. As palavras estão por demais gastas e incapazes de te dizer o que quer que seja. Mas é inevitável fazê-lo. Escrever-te, querer-te.
Deito-me comigo e o sono é breve, quase como um pássaro que não pousa. Desperto sobressaltada. Quente e suada.

Acordo. Pode ser que os pesadelos um dia deixem de povoar as minhas sombras.

Vejo o teu vulto ao longe e o teu gesto tatuado no encaixe perfeito do meu corpo. O cabelo pende-te sobre os olhos. Deito-me ao teu lado e adormecemo-nos devagar. Baloiçamo-nos e só um pedaço de luz te ilumina as coxas. Confesso que nada mais importa que este momento. Abraça-me.

Vanessa Pelerigo

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