Segunda-feira, Março 09, 2009

Mutantes S21

Cresci a olhar o tejo. A ver os barcos a entrarem e a saírem num rodopio constante. Na altura, ainda a Lisnave era a Lisnave e não um deserto de ferro e cimento. Na altura, a distância de Almada a Lisboa era superior aos vinte minutos do barco e os sonhos iam-se diluindo nas sujas águas do Tejo. Cresci a olhar o Tejo e como ele prometi correr na direcção do mar, ver outros portos e outras paragens, marinheiro livre num mar prazeres imensos, por entre fumos e orgias, mortes e fugas.

Como o Tejo viajei pelo mundo, fiz-me nuvem negra de paradeiro incerto e numa manhã negra chovi em Almada, capital de todo o meu mundo e que contempla essa capital de província onde a nossa aventura começou. Foi num tempo agora incerto, em que não sabíamos quem éramos, uma viagem por todo um mundo novo, uma iniciação à arte de viver... E que bem nos soube viver! Saborear o doce néctar da libertinagem, galopar nas ondas dos sentidos inebriados e sair, desse turbilhão, adultos e acordados, saudosos para todo o sempre desses meses, desejosos que mais ninguém repita os nossos passos, mas com a vontade que todos façam a sua viagem, se libertem de si mesmos, que peguem naquilo que são e no meio da transcrição diária, que é a rotina do dia-a-dia, dêem um pontapé numa perna e se tornem num mutante de si mesmos, nunca retornando ao que eram, acumulando erros e erros como forma de evoluírem, de se libertarem dos espartilhos mentais que em nós são incutidos desde crianças.

...

Ao fim de tantos anos contemplo novamente o Tejo. Ouço as sereias dos barcos e vejo as ruínas da Lisnave. Nas ruas os putos arrastam-se sem objectivos, desfrutam os dias com a obrigação única de chegarem até amanhã sem envelhecerem. Os que dum dia para o outro envelhecem, cedo arranjam quem sustentar com o seu suor. Não é para mim esta vida. Olho o Tejo enquanto enrolo uma broca e lembro-me que foi com uma broca na boca que apanhei o táxi para o Casal Ventoso.

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