De manhã saí à rua
O Sol já vai alto e agora aquece. A leve brisa do rio deu lugar a uma aragem quente e começo-me a sentir desconfortável. Começa também a surgir a curiosidade sobre aquele corpo que repousa na cama. Vou até à bolsa que ficou no hall de entrada para procurar a identificação. No caminho imensas fotos dela e de um casal claramente mais velho, ora o casal, ora ela, ora ainda os três juntos... Na carteira a confirmação do crime cometido! Foi bom, é certo, mas agora está na hora de ir.
Visto-me à pressa e saio porta fora. Entro no café que há na esquina e sento-me na esplanada. Peço uma torrada e um sumo de laranja e pego no jornal da mesa do lado. As notícias não me animam, mas o reflexo de folhear o jornal vem de há muitos anos, ajuda a pensar... Por entre uma página e outra vou olhando a janela do quarto, que vejo estar agora aberta. Por um instante penso em voltar e falar com ela, mas depois passa-me e mergulho novamente no jornal. Com a noção do tempo desaparecida vejo que a torrada e o sumo já estão na mesa. Como lentamente para saborear, não a comida mas o ar fresco das manhãs à beira-rio. Absorvo não o alimento, mas aquele estado bucólico de fim-de-semana, em que os dias são maiores e as manhãs mais lentas, tão iguais e tão diferentes de todos os outros dias.
Levanto por acaso a cabeça e nesse instante vejo-a, cabelos escuros soltos, calças justas e um top revelador! Na mão tem um casaco fininho. Sai de casa e olha em redor, perdendo algum tempo a olhar para a esplanada. Acena-me e segue para o outro lado da rua.
Não sei se ela sabe que eu sei o que fiz... Não sei se sabe que, por muito que eu queira, não haverá outra noite. Não sei se sei que haverão outras noites, só não estarei lá para saber. O que sei é que na próxima sexta, já tenho sítio para ir sair!
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À noites as sensações, num quarto desconhecido...
Acelero rumo a norte, com a bússola dos sentidos desorientada. Não se pense, por falar em acelerar, que sigo a uma velocidade estonteante. Não! Não o consigo fazer... Ela, no banco do passageiro, está sentada de lado, a olhar-me e a acariciar-me de tal forma que meter as mudanças é tarefa complicada, pois a cada saída de rotunda, ou curva para a direita, a mão dela resvala da minha coxa em direcção à minha virilha. O percurso, que foi rápido, durou uma eternidade. Nos metros finais ela ia dando indicações, "vira ali, corta naquela, estaciona já que a minha casa é aquela", e eu obedecia cegamente, "sim, sim estou a ver", mas as imagens andam a mil e nem vejo bem onde estou. Do outro lado do rio, Lisboa, a boémia, olha-nos e sorri marota, como que dando a sua permissão para o que vai suceder.
Subimos as escadas de madeira para um primeiro andar. Não nos preocupamos com o ranger, mas não se pense que subimos a correr. Ela abriu a porta, deu-me a mão e passámos, um de cada vez, a estreita porta. Na escuridão guiou-me até ao quarto dela e não pude, apesar do grau de excitação, deixar de ficar abismado. De certo modo aquele momento fez a minha mente desfocar-se e ela, sentido que me estava a perder, aproximou-se pelas minhas costas e, com as mãos bem juntinhas à minha pele, começou a tirar-me a camisola. Fazia-o lentamente e com as palmas a tocarem-me o peito, acariciando-me e levantando-me a roupa. Quando a última manga passou pela minha mão direita, um puxão virou-me e dei comigo a olhá-la de frente.
Com as luzes reflectidas pelo rio a banharem-me as costas e as bochechas esfomeadas dela, comecei a sentir-lhe os lábios a acariciar-me a pele. Primeiro nas orelhas, descendo ao pescoço, uma trinca suave nos mamilos, a lingua a percorrer-me a barriga enquanto as mãos iam empurrando a roupa para baixo, com as unhas a percorrer-me o interior das pernas. Até que ela parou!
Parou porque os sapatos impediam as minhas calças e os boxers de saírem. Parou, mas não atrapalhada. Parou e olhou-me nos olhos e vi nos dela um brilho malévolo que teve consequências ao nível da minha virilha, reacção que despoletou um risinho por parte dela. Parou para me atirar para a cama, com um colchão algo mole e que afundava no meio e enquanto eu caía começou a despir-se da cintura para baixo, à medida que se aproximava da cama. Eu olhava e apreciava! O mesmo balouçar de cintura da pista de dança era agora repetido para expôr mais e mais rendilhado escarlate. Descalçou-se, retirou as calças, dobrando-se toda, com as nádegas redondas a balouçar, viradas para mim, junto à cama.
Acabou de remover as roupas, mas não se virou para mim. Ao invés, sempre de costas, colocou o joelho direito na cama e passou com a perna esquerda por cima de mim. Quando recuperei da estupefacção tinha os rendilhado vermelhos, onde se via uma penugem enfraquecida, a roçar-me na cara e sentia grande agitação nas virilhas. A partir daquele momento, senti necessidade de alinhar pela vontade dela.
Durante o que sobrou da noite, passámos muito tempo com o meu peito a tocar-lhe nas costas, em movimento perpétuos, em carícias sugestivas, mudando da cama para a janela, da janela para o chão, e ora se sentava ela em mim, ora lhe levantava eu as pernas, até que, derreados pelo esforço, cedemos à luz mortiça dos candeeiros de rua e adormecemos.
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Como fomos ao que fomos
Os seus lábios pareciam sussurrar algo. Naquele momento eu só ouvia a louca voz do desejo, mas não era esse desejo que ali estava, esse era mais lento e demorado, não o de um vôo directo para o ninho daquela ave. Naquele momento o meu desejo poderia ser saciado na casa-de-banho do bar, mas a voz que me sussurrava pedia algo mais, pedia-me que dançasse com ela (ou seria para ela?) e portanto seguia-a, não mais responsável pelos meus actos. Não era longe esse local onde com o corpo nos deviamos encantar, dois passos e estávamos mesmo no meio, ela a balouçar-se como uma serpente bem encantada, eu a olhar, como a águia que observa a sua presa lá do alto.
Naqueles instantes mirei-a de alto a baixo, os longos cabelos negros caídos sobre os ombros, tapando as alças do também negro top. Parecia não ter soutien, mas o par de rolas roliças a espreitar no seu decote, muito juntinhas uma à outra diziam o contrário. Também à espreita estava esse rendilhado escarlate, que quando ela lhe virava as costas assomava acima da cintura das calças de ganga, naquele momento as mais exóticas e atraentes do mundo, mas que à luz da manhã não passariam de um tapete no frio chão do quarto, que mais não faziam do que atrapalhar o andar.
Naquela noite não atrapalhavam! Pareciam o tecido mais ágil e elástico enquanto ela se contorcia e me ia enfeitiçando. Foi sem resistência alguma que a acompanhei até ao bar, reabastecemos o sistema alcoólico e ficámos ali à conversa. Não foi imediatamente, mas a mão dela acabou por tocar a minha. Seguindo a deixa, fui-lhe percorrendo o braço suavemente, com a parte de trás dos meus dedos, até que cheguei às já referidas alças. Ela virou-se um pouco de lado e com a outra mão conduziu a minha para o decote. Ali fiquei uns instantes a acariciá-la, até que de repente veio a ansiada proposta de ir mais longe, longe dali. Perguntou se eu tinha algo em mente e como eu demorasse a responder algo mais do que "Tenho o carro lá fora", ela sugeriu o quarto que tinha ali perto. Não a olhei nos olhos naquele instante. Olhei-lhe para o rabo, para as mamas, para as ancas, para as coxas, para a cintura, para todo o lado, menos para os olhos. O que não vi foi o olhar de luxúria que ela me deitava. Se o tivesse visto teria visto reflectido o mesmo olhar que lhe lançava, correndo o risco de nos cegarmos mutuamente.
O pensamento de uma casa, de um quarto, as imagens que daí vinham, o antecipar... Tudo me cegava naquele percurso, todas as imagens apetecíveis desligavam pouco a pouco o meu cérebro para os estímulos diferentes daqueles que ali estavam sentados ao meu lado. Os estímulos dispararam o inconsciente "Vamos!" que respondi...
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À noite, antes do quarto à beira-rio
É noite. A noite que antecede a manhã que anteriormente narrei. Encontro-me num bar sozinho. Estava em casa e apeteceu-me sair. Apeteceu-me assim sem mais nem menos, sem nenhum motivo aparente, mas a verdade é que todos os nossos actos são definidos por aquilo que decidimos e não como voltar atrás. Se hoje pudesse voltar atrás não mudaria aquele momento, tê-lo-ia antecipado em vários dias, para que depois dele houvessem mil outros! Fui para um bar na vila piscatória, onde tudo o que se pesca é turistas. Turistas e gajos como eu, em bares frequentados por putos e pitas, o mais velho deles com idade para ser meu filho. Nenhuma delas no entanto se parece com filhas minhas. Eles são claramente putos, como se diz em inglês “boys will be boys” e não há roupa ou atitude que o disfarce. Um rapaz que se porte como homem no máximo faz ar de parvo e idiota. Um homem que se porte como um rapaz está apenas bem disposto e com ar de jovem. Muitos deles ainda nem eram projectos de filho quando as músicas que tocam foram feitas, alguns deles provavelmente foram pensados ao som das músicas mais melosas. Um amigo meu, americano, que um dia ali esteve comigo disse-me que “this bar has plenty of eye-candy for all” e a verdade era mesmo essa. Miúdas, mulheres, rapazinhos e homens feitos. Num canto um casalinho de gajos, da minha idade mais ou menos, comia-se discretamente, e uma pitareca, no meio da pista, entretinha-se a acariciar gentilmente o rabo a um amigo, enquanto o avô dela a abraçava por trás, num acariciar de seios nada discreto. Foi a observar este clima que a vi encostada ao balcão. Não sei o que me chamou a atenção, mas o que é certo é que num instante estava a condenar moralmente aquele velho rebarbado, no outro estava a imaginar conversas com aquela mulher. Porque era uma mulher que me parecia, ali, de copo na mão, a olhar para a pista.
Tinha o cabelo liso e solto, que lhe caía pouco abaixo dos ombros, uma pele pálida e um sorriso de animar um velório. É verdade que, sentado à janela de casa dela, quando olho para a cama não consigo pensar o que me atraiu nela, mas naquela noite parecia Afrodite encarnada e não consegui desviar nem olhar nem pensamento, até que ela, vendo-me a contemplá-la, se dirigiu a mim.
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De manhã à beira-rio
Acordo de manhã, o rio à minha frente, à esquerda o oceano.
Acordo e vejo na cama uma bela rapariga. Percorro-lhe com o olhar as curvas do corpo semi-nú, tapado, aqui e ali, pelos finos lençóis com que nos protegemos da brisa nocturna. Olho novamente o azul esverdeado do rio, que reflecte o brilho intenso do sol do meio dia. Deve ser já tarde, mas porquê ter pressa? Não há pressas que me tirem a noite passada. Vejo ali ao meu lado o corpo de uma bela rapariga. Agora despida de maquilhagem e de roupas não me parece mais do que uma adolescente. Se calhar é uma adolescente... Que diabo, se é uma adolescente a verdade é que se portou como uma mulher bem adulta!
Ela dá uma volta na cama. Irá acordar? Não, está apenas a aproveitar o espaço extra. Penso por um instante em arranjar-me e sair de casa, mas por algum motivo não o consigo e fico ali parado a olhar o rio que flui para o mar. Não dou comigo a pensar nela, ela é apenas umas palavras cordiais, um número de telefone que já não uso e um “adeus até nunca mais”, que nunca será dito. Provavelmente ela ou já pensou o mesmo, ou irá pensar quando acordar, afinal que atracção vem de duas pessoas que se conheceram num bar na mesma noite em que uma delas leva a outra para a intimidade do seu lar?
Não é nela que penso mas sinceramente, também não penso em mim. Penso apenas na paisagem, penso nos tons de verde que o rio reflecte. Foda-se, deve ser a paisagem mais espectacular que já vi. A vontade que dá é de ir para a marginal que passa logo por baixo da janela daquele primeiro andar e andar para trás e para a frente, a contemplar os pássaros. Será que este prazer me vai ser negado por muito mais tempo, apenas pela consciência que tenho de me despedir frontalmente de uma fonte de outros prazeres, que há muito chegaram ao oceano do meu ego?
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