Quinta-feira, Fevereiro 07, 2008

Estranha cidade...

Depois de um voo atribulado, devido ao mau tempo que se fazia sentir em toda a região, tinha chegado finalmente à cidade que me iria acolher nos próximos dias enquanto participava num congresso de história medieval. O terminal de aeroporto era bastante amplo e apresentava diversas indicações em inglês sobre o câmbio para a moeda local, tempo que se fazia sentir (bem frio e chuvoso por sinal), indicações sobre os transportes que faziam a ligação do aeroporto ao centro da cidade, entre outras indicações úteis para o viajante desprevenido. Depois de recolher a bagagem dirigi-me à zona de câmbios do aeroporto onde fui atendido por uma funcionária:

- I wanted to change 200 euros what is the changing rate?

- Can’t you see it on the screen?!

- It’s your job telling me the changing rate; if you can’t do it pick another job.

Depois de quase fazer um requerimento por escrito a apresentar queixa da funcionária lá consegui que me trocasse o dinheiro que necessitava. Dirigi-me para o terminal de táxis esperando que esta primeira impressão não se confirmasse ao longo a minha estadia. Mal cheguei ao terminal apanhei o primeiro táxi que apareceu

- Hotel Panorama please

Era notório que o taxista não dominava bem a língua inglesa mas havia compreendido o meu pedido que era o que interessava. Dirigíamo-nos para a cidade propriamente dita visto o aeroporto ficar nas redondezas da mesma, a cidade era esplendorosa onde se destacava uma mistura de edifícios do antigo regime comunista, grandiosas catedrais, castelos e museus. As ruas estavam perfeitamente alinhadas umas com as outras e a simetria e consonância entre os edifícios davam à cidade um aspecto geométrico, artificial, como se de uma maqueta se tratasse. Enquanto me admirava com o aspecto geral da cidade não pude deixar de notar que o taxista que me conduzia estava bastante concentrado naquilo que estava a fazer, e para além disso gesticulava com todo e qualquer taxista que lhe aparecesse pela frente, como se fosse algum código secreto entre eles, se umas vezes acenava, outras vezes mandava avançar ou parar como se de um policia sinaleiro se tratasse, o mais estranho é que os outros taxistas se comportavam da mesma maneira, que estranho todo aquele panorama! Tínhamos chegado ao hotel, era um hotel relativamente recente com um hall de entrada amplo, dirigi-me à recepção onde se encontrava um homem bastante delicado, para não dizer efeminado, que me atendeu:

- Good afternoon, I booked a room, my name is Pedro Alcântara.

- Let me check the files….check in confirmed, your room is the 221, our team wish you a pleasant stay…just one more thing, you can also book here the return flight if you wish.

- I’ve already booked the return flight; just don’t forget to add me to the wake up list

- Ok

Subi até ao meu quarto, era pequeno mas com tudo o que para poder passar ali alguns dias. Arrumei todos os meus pertences, tomei um banho e resolvi ir jantar fora do hotel até para conhecer um pouco melhor aquela estranha cidade. Ao sair para o exterior não pude deixar de notar que o frio era cortante, de modo que me dirigi com passo estugado até à avenida principal, onde estavam alguns restaurantes, entrei num bastante castiço com mesas que mais faziam lembrar enormes troncos de árvore cortados longitudinalmente onde me sentei e fui atendido por uma bela empregada, que me cumprimentou na sua língua

- dobrá nocní

- Do you speak english?

- A little bit

- I want a Svikova and a krusovice beer. Did i pronounce it correctly?

- You did it well but we say Svicková

- I won’t miss it next time

Comi bem e bebi ainda melhor, antes de pagar a minha conta fui à casa de banho do restaurante, era um bocado estranha pois para fazer o que mais ninguém podia fazer por mim tinha duas opções, tinha um compartimento com uma porta que isolava todo o cubículo; e tinha outro cuja porta que ficava a meia altura e que também tinha abertura por baixo. Por que carga de água havia duas portas tão diferentes na mesma casa de banho? Seriam duas casas de banho, uma para pessoas que requerem maior privacidade e outra para pessoas menos recatadas…deixei-me de pensamentos profundos, afinal já tinha ultrapassado a minha cota de álcool. Paguei a minha conta e saí. O frio tinha-se acentuado, mesmo para quem tinha comido e bebido bem, de modo que não tive outra alternativa senão acelerar o passo, aquela era uma zona de bares e restaurantes assim que havia uma certa animação apesar do frio, reparei que em todos os bares e night-clubs por onde passava havia uma espécie de angariadores de clientes e mais estranho ainda, e sem ser racista, eram todos pretos, e eu que desde que chegara à cidade não me lembrava de ter visto algum, pelo menos durante o dia, parece que se tinham reunido todos àquela hora naquele local, resolvi tirar uma foto daquele cenário estranho. Estava a começar a achar aquela cidade mais estranha do que seria de esperar para uma cidade estrangeira.

No dia seguinte levantei-me cedo, afinal a conferência a que me tinha proposto participar iniciava-se praticamente ainda de madrugada. Saí do hotel, à entrada estava um grupo de policias a multar um carro que estava numa posição bizarra: primeiro estava numa zona para peões bastante afastado da estrada propriamente dita, em segundo o carro estava numa posição pouco ortodoxa, apoiado exclusivamente na duas rodas de um dos lados, e com as restantes apoiadas sobre um pequeno parapeito, os polícias tiravam fotos daquele cenário quando pararam de o fazer para olhar para mim com ar inquisidor como se fosse eu o dono daquele carro, resolvi não pensar mais no assunto e concentrar-me na minha palestra agendada para aquele dia. Cheguei ao centro de conferências, na universidade local ainda a tempo das primeiras apresentações, o ambiente estava ao rubro pois ali estava em causa a preponderância que cada país tinha tido na idade média, assim não era de estranhar que o período de discussão e dúvidas fosse mais extenso do que a exposição propriamente dita. A minha palestra era “Inquisição, uma herança actual” aproveitei para improvisar um pouco sobre aquela terra e sobre a herança do antigo regime comunista daquele país, obviamente os estudiosos locais não gostaram da minha intervenção e aproveitaram para criticar o comportamento da Inquisição em Portugal, obviamente toquei-lhes no nervo, e as consequências foram imprevisíveis, pois este é um povo que não esquece… Após alguma discussão acesa a situação pareceu acalmar e a normalidade aparentemente voltou ao anfiteatro. As palestras foram-se seguindo dentro da normalidade, no fim pude dar-me satisfeito com a minha intervenção e com aquilo que havia aprendido. Terminadas as conferências, voltei para o hotel, desta vez trovejava e a meio caminho do hotel começou a chover abundantemente tal como se me fosse cair o céu em cima. Cheguei ao hotel completamente encharcado, no preciso momento em que havia cessado de chover, e eu lamentava-me para com os meus botões do desafortunado que havia sido.

Depois de um banho quente e ter trocado de roupa dirigi-me para o restaurante do hotel, estava apinhado de gente, algumas caras tinha-as visto na conferência. Servi-me do buffet com comida de todo o mundo desde a famosa paelha espanhola, passando pelo porco alemão, ou os bifes de carne picada russos, sem esquecer o chapati indiano. Servi-me de um pouco de cada coisa e sentei-me na minha mesa. Estava um grupo a falar atrás de mim, falavam todos em inglês mas com pronúncias provenientes de diversas partes do globo e estavam a ter uma conversa bastante estranha:

- …he’s Portuguese, is an historian and since he arrive this city is getting trouble in each corner he passes…

Fiquei perturbado com aquelas palavras, as semelhanças comigo eram evidentes, mas não era possível, não os conhecia de parte alguma nem sequer de os ver nas conferências de hoje, tinha de ser outra pessoa. Terminei de jantar e fui à recepção onde estava o mesmo homem efeminado que havia encontrado na chegada.

- Good evening I wanted to use internet.

- Ok, you can use the pc in that corner

E apontou-me para um computador no outro extremo do hall de entrada

- It’s 0.75 cents each 10 minutes, you need to insert a coin in the machine near the pc

- Ok, thanks

Fui para consultar o meu e-mail, estava à espera de receber alguns mails importantes da faculdade e não podia esperar mais. Inseri a moeda e abri o browser, fui para a minha conta de e-mail e quando ia para a minha caixa de entrada, retrocedia na página para a que tinha estado anteriormente. Tentei uma e outra vez sempre com o mesmo resultado. Consultei as minhas outras duas contas de e-mail, e precisamente quando estava para entrar na minha caixa de entrada, o browser recuava para a página anterior. Era impossível todas as minhas contas de e-mail terem o mesmo problema, voltar para trás precisamente quando estava para entrar na caixa de correio. Podia alguém estar a controlar as páginas que ia abrindo?! Nunca tinha visto tal coisa, mas já estava num estado em que desconfiava de tudo e todos. Olhei para o recepcionista e efectivamente estava ao computador, levantei-me rapidamente e dirigi-me a ele. Quando me viu aproximar ficou meio atrapalhado.

- I’ve a problem using the browser; i can’t access my e-mail accounts, and all of them have the same problem, when I try to go to the inbox it returns to the previous page.

- Let me try

O funcionário dirigiu-se ao computador e tentou entrar na sua conta de e-mail, e conseguiu.

- I can’t see any problem with the pc.

- Just a moment let me try again

Enquanto o recepcionista estava comigo consegui abrir a minha caixa de correio

- Now i can open my inbox, strange…

Depois de consultar o meu mail, resolvi ir para o meu quarto. Tinha sido um dia estranho, mais um desde que chegara àquelas paragens, e por muito que me tentasse abstrair, vinha-me sempre ao pensamento aquelas estranhas palavras no restaurante ou o episódio da Internet, para não falar em todos os outros pequenos detalhes que faziam daquele lugar um sitio bizarro. Praticamente não consegui pregar olho toda a noite, noite de trovoada incessante.

Levantei-me de manhã cedo, aquele era o último dia conferências, que hoje recomeçavam depois de almoço, aproveitei a manhã para trocar mais alguns euros e decidi fazê-lo fora do hotel, em busca de uma taxa de câmbio mais baixa e também ficar a conhecer melhor a cidade, também o banco mais próximo não poderia estar muito longe. Procurei pessoas mais novas pois em principio essas saberiam falar o inglês. Passei por uma bela jovem e perguntei:

- Where is the closest bank?

- I don’t know, sorry

Continuei em direcção a um ponto central pois ai teria mais hipóteses de encontrar o almejado banco, pelo caminho encontrei outro jovem ao qual lhe perguntei:

- Where is the closest bank?

- I don´t know

Parecia ser uma resposta recorrente, mas será que toda a gente desta cidade tinha o dinheiro debaixo do colchão?! Tentei perguntar mais algumas vezes mas a resposta foi sempre a mesma, já me sentia como se fosse um pedinte a mendigar por uma indicação que teimava em não chegar, a propósito de pedintes, todos os que havia visto tinham o mesmo comportamento, ajoelhavam-se de cabeça baixa em frente a um chapéu ou algo que lhe valesse, onde recebiam a esmola; era uma cidade muito uniforme em termos de comportamentos, não havia grande margem para a diferença, e eu realmente ali sentia-me um estrangeiro. Depois de andar uma hora à procura sem sucesso decidi voltar ao hotel, e pagar uma taxa mais elevada. De regresso ao hotel, parecia ver no semblante das pessoas que se cruzavam comigo um sorriso de troça. Seria impressão minha pelo cansaço acumulado e pelo acumular de situações estranhas que havia vivido desde que chegara àquela cidade.

Cheguei ao hotel e na recepção fui ver se me trocavam 70 euros, seria o que precisava até sair daquele país. Mas a resposta foi contundente

- We don’t have the exchange service available because of technical problems

Realmente estava atado de pés e mãos, só com euros no bolso não me iria safar naquele país. Resolvi não pensar muito mais no assunto, não ia adiantar nada. Dirigi-me ao centro de conferências e procurei alguém que estivesse interessado em trocar alguns euros, mas de todos a resposta foi a mesma.

-“I didn’t brought the wallet”

Aparentemente ninguém queria colaborar comigo e toda aquela maré de infortúnio tinha começado depois da minha intervenção no dia anterior na conferência.

No final das conferências voltei para o hotel, jantei qualquer coisa e fui para o quarto arrumar as coisas a fim de no dia seguinte de manhã regressar a Portugal. Só tinha euros no bolso, o positivo é que podia pagar a conta do hotel em euros, mas o transporte para me levar ao aeroporto é que forçosamente teria que pagar com a moeda daquele pais, o aeroporto distava do hotel mais de 13 Km’s.

Na manhã do dia seguinte, depois de tomar o pequeno-almoço, dirigi-me à recepção a fim de ver se o serviço de câmbios já estaria operacional. Atendeu-me o mesmo recepcionista efeminado:

- Hi, the exchange service is already available?

- No, I’m sorry

- Where can i exchange some euros?

- In this zone there is no such place apart from the hotel, only in the city center in some bank or exchange house.

- Today is Sunday I don’t think I’ll have any luck. There is the possibility to call a taxi that accept euros?

- The telephone line is down since yesterday

- There is something working in this hotel?!

- I’m sorry

- I also wanted to check out and to pay in euros

- Just a moment

it’s 120 euros

Paguei a minha conta de má vontade e decidi voltar a tentar a minha sorte lá fora. Tinha partida de avião às 13h00, era naquele preciso momento 9h00, teria que me apressar se o queria apanhar ainda hoje. Resolvi tentar apanhar um táxi e simplesmente perguntar se aceitava euros. E foi o que aconteceu mas a resposta infelizmente não me surpreendeu.

- I don’t accept euros!

Ainda tentei abordar mais dois taxistas mas as respostas foram tiradas a papel químico da primeira. Resolvi tentar o autocarro, tinha uma ideia dos números dos autocarros que me levariam ao aeroporto. Entrei pela porta de trás de forma ao condutor não me ver, o autocarro estava apinhado de gente que me fitava com olhar reprovador, ouvia alguns comentários na língua local que percebia virem dirigidos a mim muito embora não soubesse o que significavam. Numa paragem mais à frente vi entrar o revisor, que mais me podia acontecer, parecia a vingança perfeita…. Antes do revisor me abordar saí numa paragem algures, já nos arredores daquela cidade. Não devia estar muito longe do aeroporto, de maneira que procurei alguém que me indicasse o caminho para fazer a pé, já carregava a minha mochila há um par de horas, assim quanto antes chegasse ao aeroporto melhor. Encontrei um transeunte ao qual me dirigi:

- The airport please!

- I don’t know

Aquele ritual de conversação com transeuntes repetiu-se durante uma hora, mas as suas respostas culminavam sempre num encolher de ombros, já não sabia o que fazer para sair dali, já eram 12h00 e o mais certo era perder o voo de regresso.

Até aquele instante a colaboração que havia recebido era nula, ninguém sabia onde trocar dinheiro nem onde ficava o aeroporto. Portugal tinha muitos defeitos mas numa situação semelhante um estrangeiro já teria recebido indicações como se “desenrascar” e certamente já estaria a fazer o embarque de regresso a casa. Não valia a pena lamentar-me o que interessava agora era encontrar o maldito aeroporto.

Continuei a andar sem rumo, até que avistei ao longe uma estrutura que se parecia com um aeroporto: diversas balizas a indicar a direcção do vento, um radar enorme, uma torre de controlo, tudo condizia. Ganhei novo ânimo e acelerei o passo. Quando cheguei, para alem das características de aeroporto que havia visto à uns minutos atrás, vi mais qualquer coisa que me desconcertou, em vez de ver pessoas em trânsito com as suas bagagens vi uma multidão de crianças acompanhadas pelos seus respectivos pais naquilo que era um parque temático relacionado com aeroportos. Fiquei branco como a cal, tudo isto parecia uma brincadeira de mau gosto e eu era o alvo. Praguejei com todas as minhas forças naquele mesmo local, todos me olharam com surpresa mas no instante seguinte seguiam como se nada fosse com eles. Continuei a andar até ver uma indicação com um símbolo de um avião, era provavelmente a minha única chance, resolvi segui-la. Percorri aquela estrada durante quase uma hora perguntando-me se teria seguido o caminho certo, até que me apercebi de um avião a aterrar perto, só podia ser ali, segui a direcção do avião até chegar ao aeroporto, finalmente estava diante do verdadeiro aeroporto, mas já eram 14h00, e o meu voo estava marcado para as 13h00. Ainda fui ver nos ecrãs informativos se o voo estava atrasado ou não, mas nenhuma informação a esse respeito aparecia, depreendi que já tinha partido. Dirigi-me ao balcão da TAP a fim de esclarecer toda a situação e arranjar voo de regresso quanto antes.

- Tinha um voo de regresso a Portugal reservado para as 13:00 mas não me foi de todo possível estar cá a essa hora. Gostava de saber quando é o próximo voo para Lisboa?

- O seu nome por favor

- Pedro Alcântara

- …

Exactamente, tinha voo marcado para as 13:00, o próximo só 3ª-feira à mesma hora.

- Está-me a dizer que tenho de ficar aqui dois dias à espera?! Não há nenhuma alternativa dalgum voo com escala, com outra companhia?

- Infelizmente não, os funcionários do aeroporto de Lisboa estão em greve até 3ª feira precisamente, mesmo que encontre outra companhia que faça o voo antes terá sempre que aguardar por 3ª feira.

- E o que é que eu fico a fazer aqui durante dois dias?

- Tem uma cidade lindíssima para visitar, o que não dariam muitos para estar na sua situação! Afinal esta é uma cidade especial, quem a visita fica a ver o mundo de uma perspectiva diferente. A cidade está pensada ao pormenor não sei se já reparou, parece um jogo de xadrez.

- Sim deve ser uma cidade interessante para quem goste de ser uma peça de tabuleiro em vias de lhe fazerem xeque-mate!

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Quarta-feira, Outubro 31, 2007

A vida em directo

Toca o despertador, o começo de um novo dia, deixo-me ficar na cama e desfruto destes últimos letárgicos momentos. Depois de me levantar a custo, arranjo-me e tomo o pequeno-almoço enquanto ligo a televisão e vejo as últimas noticias. Mais um bombista suicida provocou 12 mortos num mercado em Bagdad. Não pude deixar de reparar na expressão de atrapalhação da pivot, não seria certamente pelo conteúdo da notícia em si que estaria naquele estado, afinal noticia seria não haver atentados suicidas no Iraque! Parecia que estava a presenciar algo fantástico e que lhe estava a afectar a concentração na apresentação do jornal da manhã. Deixei de me preocupar com as atrapalhações da pivot e saí de casa em direcção ao emprego. Meti-me no autocarro e ao entrar reparei que toda a gente olhava para mim como se fosse algum criminoso com um cartaz em cada esquina a dizer procura-se, reparei que naquele preciso instante toda a gente puxava dos seus telemóveis e escrevia mensagens freneticamente. O que é que se estava a passar? Seria pura coincidência toda a gente olhar para mim com olhar inquisidor e começar a escrever uma mensagem nesse mesmo instante? Seria eu a cobaia numa experiência underground? Saí do autocarro, no preciso instante em que tinha começado a chover, apressei o passo e a chuva aumentou a intensidade até que tive de encontrar refúgio debaixo de um telheiro, parou imediatamente de chover, já não sabia o que havia de fazer, por mais que tentasse fugir ao destino ele perseguia-me sem dó nem piedade tal como se fosse um programa com capacidade para seguir e antecipar todos os meus passos ou melhor, os meus pensamentos! Este meu pensamento foi interrompido pela imagem de um vendedor de chapéus de chuva, veio mesmo a calhar, paguei e prossegui caminho até chegar a um cruzamento onde estava um grupo de pessoas que à medida que me ia aproximando ia reconhecendo como pessoas famosas, uns do mundo da televisão, outros do mundo da escrita, outros famosos eram por aparecer nas festas do jet set, todos em amena cavaqueira, que estariam todos ali a fazer? Passei por eles, fez-se silêncio, levantei os olhos para ver o que se passava naquele grupo e vi que todos olhavam curiosamente para mim, passei por eles no mesmo passo sem me mostrar afectado e segui caminho até chegar ao largo onde estava o escritório onde trabalhava, estava mesmo em frente um placar publicitário com um homem representado, era incrivelmente semelhante comigo, em baixo aparecia escrito o slogan “Seja o próximo a ficar nas bocas do mundo”, as semelhanças com a realidade eram assustadoras. Entrei no escritório, cumprimentei a dona Palmira da recepção com o “bom dia” habitual, não me respondeu, ainda assim manteve fixa em mim toda a atenção como se estivesse a seguir a novela da noite.

- Passa-se alguma coisa dona Palmira parece que viu um fantasma!

- Não é nada Pedro, não consegui pregar olho toda a noite foi isso.

A sua resposta deixou-me ainda mais espantado, como é que sabia o meu nome? Nunca me tinha apresentado a ela, pelo menos que me lembrasse. Continuei o meu caminho pelo corredor em frente e enquanto não chegava ao escritório propriamente dito ia-me perguntando e preocupando com o que se iria passar a seguir, como é que seria o comportamento dos meus colegas? Não demorou muito a saber a resposta. Estavam uns sentados em frente aos computadores outros de pé a falar, parou tudo quando cheguei como se fosse o patrão a anunciar novos despedimentos na companhia, segui com passo estugado em direcção à minha secretária enquanto ouvia cochichos e risinhos. Estava a ser uma manhã maldita, não via a hora de terminar o dia. Sentei-me em frente ao computador e comecei por consultar o meu e-mail, tinha a caixa cheia de junk mail, olhei rapidamente para os assuntos de cada mensagem: Be the star of your company, Be famous from one day to another! Tomorrow shall i bring the umbrella? Esta última havia sido enviada à 6 minutos atrás, era impressionante como estes assuntos se assemelhavam ao que me havia acontecido esta manhã, apaguei todo aquele lixo e tentei concentrar-me no meu trabalho. Ainda assim era difícil, sentia-me o centro das atenções. Resolvi retardar propositadamente a hora de almoço para as 13h a fim de evitar uma multidão de colegas todos curiosos com a minha pessoa. Seria imaginação minha ou aquilo que eu pensava estar a acontecer estava a acontecer na realidade? Como de há um tempo para cá não conseguia dormir, esta impressão podia ser do cansaço, mas tantas coincidências juntas era de desconfiar. Ás 18 era hora de abandonar o posto de trabalho, resolvi ficar mais um tempo de forma a deixar passar a hora de ponta de forma a poder avaliar melhor a situação. Saí uma hora mais tarde, mais uma vez começou a chover torrencialmente no preciso momento em que pus um pé fora do edifício, mas desta vez estava prevenido com um guarda-chuva. Percorri em sentido contrario o caminho que havia feito de manhã, mas desta vez, para além da abundante chuva, trovejava, por sinal muito perto do local onde estava, o ruído era ensurdecedor. De repente dei-me conta de um raio cair mesmo no prédio em frente, que dia aquele! Cheguei à paragem de autocarro e esperei até que chegou o autocarro que me levaria de volta a casa. Entrei, parou imediatamente de chover, deparei-me com um autocarro sem nenhum lugar sentado ainda assim não se podia considerar cheio, todos pararam o que estavam a fazer para me olhar curiosamente, no fundo só se ouvia:

- Só espero que agora não nos caia um raio em cima!

De repente vi uma pessoa a levantar-se e a acenar na minha direcção, como se eu fosse uma câmara de televisão, e ela estivesse a mandar cumprimentos para a família lá em casa, olhei para trás para ver se estava alguém que pudesse justificar aquele comportamento, nada, estava tudo sentado a olhar, eu já enervado com todos aqueles comentários e atitudes perguntei:

- É alguma coisa comigo?

- E se fosse havia algum problema?

- Se me estivessem a acenar e eu não conhecesse essa pessoa para nada é obvio que havia algum problema.

O indivíduo de repente puxa de uma navalha e tenta-me atingir.

- Agora vais ver o que é um problema

Desferiu diversos golpes, e eu, a custo e com a ajuda dos solavancos do autocarro, conseguia-me esquivar. Na altura em que ele tentava desferir outro golpe consegui enfiar-lhe um soco na cara, acabou por tombar, altura em que o autocarro parou e aproveitei para fugir. Claro está que a chuva voltou em força enquanto eu corria com todas as forças que tinha, até que cheguei a casa, imediatamente parou de chover. Sentia um rubor na face esquerda, pus a mão na cara e vi que estava a sangrar, aquele filho da %&#) tinha-me atingido.

Depois de fazer o tratamento da ferida e ter trocado de roupa, liguei a televisão, estava a dar o jornal da noite, o pivot que apresentava o jornal virou-se para mim e interrompeu por instantes o que estava a dizer, tentou retomar o raciocínio mas era obvio que estava perturbado. Eu já enervado com tudo aquilo grito em voz alta:

- Mas que raio se passa aqui!!!? Não têm uma vida própria, porque carga de água me estão a observar, isto é alguma experiência e eu sou a cobaia, vão-se mas é f#$&!

O pivot tinha enrubescido era notório que tinha ouvido tudo o que tinha acabado de lhe dizer. Até que se decidiu

- Caros telespectadores, vamos ter que interromper este telejornal devido a problemas técnicos esperamos voltar com a maior brevidade possível.

Resolvi desligar o televisor, jantei e fui-me deitar na esperança de na manhã seguinte não ter passado tudo de um pesadelo.

Na manhã seguinte acordei em sobressalto, estava curioso por saber se tudo aquilo era mesmo real ou não. Levantei-me num ápice e liguei a televisão. A pivot estava concentrada a apresentar as notícias, não modificou a expressão nem se atrapalhou a falar, parecia ter voltado tudo à normalidade. Este foi um primeiro sinal que as coisas estavam normais. Faltava ainda perceber se as pessoas e o tempo também estavam normais. Lavei-me, vesti-me e comi apressadamente e fui para a rua, estava um tempo magnífico, nem parecia que tinha havido uma tempestade na véspera. Apanhei o autocarro, as pessoas no seu interior pareciam indiferentes à minha pessoa, senti-me profundamente feliz, era mais uma pessoa anónima, sentei-me e olhei pela janela e apreciei a paisagem como se fosse a primeira vez que a estivesse a ver. Desci do autocarro e caminhei confiante até ao meu emprego. Pelo caminho fui abordado por uma freira com um recipiente para moedas ao pescoço.

- Jovem, veja lá se pode dar uma ajudinha para as missões.

- Deixe lá ver o que é que se pode arranjar, irmã.

Peguei numa moeda de 2 euros e introduzi-a no recipiente

- Obrigado jovem, a sua ajuda foi preciosa…Deus faz de nós seus instrumentos, os seus desígnios são insondáveis e todos têm o seu papel a desempenhar, como se todos fossemos actores num grande filme em que todos os nossos actos têm consequências até mesmo no tempo que vai fazer amanhã!

- Irmã nem sabe como, mas compreendo-a melhor do que imagina…

Esbocei um sorriso mesmo antes de virar costas e enfrentar mais um dia de trabalho.

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Sábado, Setembro 22, 2007

Futebol

Dentro de quatro linhas jogado
Por duas equipas disputado
Jogar, fintar, passar, marcar
receita para quem quer ganhar

Onde se gastam milhões
Jogo de milhares de opiniões
Num instante tudo muda
e grita-se golo do outro lado da rua
talvez seja essa a razão
para prender todos à televisão

Num relvado ou num pelado
em parquet ou cimento armado
qualquer lugar serve para praticar
e para do último jogo falar
Jogo de casados e solteiros
de artistas e sarrafeiros
sem grandes exibições
perder nem a feijões

Fadado futebol lusitano
do inicio ao fim do ano
sofrido e trabalhado
de talento imigrado
Alegria e desilusão
Assim soa a nossa canção

Futebol é fantasia
que nos faz esquecer o dia-a-dia
Futebol é paixão

impossível conter a emoção

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Quarta-feira, Abril 25, 2007

Filmes da nossa vida...

Quantos de nos já nos sentimos identificados com um personagem de um determinado filme? Provavelmente faria mais sentido fazer a pergunta inversa…

Desde o filme de acção, passando por um thriller, drama, filme de terror até à comédia romântica certamente já nos reinventámos através do nosso pensamento projectando o nosso ego em cenários diversos. Esta forma de sermos vistos projectados nos filmes seria uma outra forma de entretenimento para além da trama principal do filme em si. Sem direitos de autor nem autorização de emissão vamos construindo películas que extravasam a nossa própria realidade ou a do filme que estamos a ver naquele momento, editando conforme os interesses da nossa mente.

Eu arriscaria que esta forma de nos projectarmos para fora da realidade estaria na génese do cinema em si como materialização daquilo que o cérebro humano sempre fez, ora durante o sono ou até mesmo em alguns momentos em que estamos acordados

Depois temos o suporte em que está guardado o filme que pode ir desde as bobinas de projecção em cinemas passando pelo VHS em formato magnético, sem esquecer o formato digital até chegar ao formato neuronal formado a partir das virtualmente infinitas possibilidades de ligação dos nossos neurónios entre si possibilitando uma combinação de cenários e personagens igualmente incontável. Se nos primeiros formatos o filme é unidireccional, nos últimos, as possibilidades de combinação entre neurónios conduzem a diversas possibilidades de desfecho resultado do estado físico/cognitivo/afectivo actual de determinado indivíduo. De certa maneira podíamos imaginar o nosso destino, o “filme” das nossas vidas, como resultado de sucessões de predisposições numa dinâmica de interacção de situações internas e externas inseridas num espaço/tempo determinado e variável a cada momento do nosso dia a dia.

Em genérico, o nosso cérebro tem a capacidade de “visualizar” o que nos vai acontecendo a nós ou até aos outros, realidade ou ficção e de construir na nossa mente uma reprodução mais ou menos fiel ao que aconteceu (memória), numa interacção mais ou menos intensa com outros fragmentos na nossa memória (criatividade). Em suma somos seres inteligentes com capacidades de tomar decisões a cada instante.

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Terça-feira, Outubro 31, 2006

Os media na actualidade

Em cada dia dos 12 meses do ano somos confrontados por informação vinda de todos os cantos do globo, sobre o qual espreitamos sem qualquer complexo, sendo deixado ao nosso critério avaliar tudo aquilo que vai acontecendo. Desde crimes, guerras, politica e economia, passando pela cultura e desporto, sem esquecer o tempo, são tudo as peças de um jogo de xadrez bastante complexo, que se conjugam e apresentam de forma diferencial a cada momento.

Se os media estão pendentes do que se passa no globo não é menos verdade que nós leitores, ouvintes e telespectadores representamos a razão de ser dos media, que actuam numa ligação de interdependência directa com fonte e consumidor de noticia.

As audiências, por seu turno, são o barómetro que rege o tempo de permanência de um determinado programa, a vaga em que é colocado na grelha de programação diária, ou até mesmo o seu raio de acção em termos etários. Os que seguem a programação podem ver claramente que as audiências são o factor de competitividade fundamental entre os diferentes agentes de comunicação, mais do qualquer outro critério externo a esse complexo mundo dos media. Resumindo e concluindo, vemos o que gostamos e não o que precisamos.

Noutro lado do espectro, para além do valor indexado à factura de electricidade, a publicidade difundida surge como mais uma taxa que pagamos, e digo “pagamos” mesmo incluindo as vezes em que a publicidade é menos repetitiva que um determinado programa. Vendo em pormenor, a publicidade preenche o espaço entre agente de venda e com pra, ga rantindo e dinamizando o funcionamento do pesado ciclo comercial em que estamos engrenados e do qual não nos podemos alienar.

Por seu lado a Internet surgiu recentemente, como uma nova forma de comunicação, onde consumidor pode tomar parte activa deixando o seu contributo na rede, partilhando a sua visão do mundo com quem quer que navegue neste novo mundo cibernético, sem fronteiras onde a imaginação é o limite... cortando caminho…qual seria o próximo limite? Participar num programa ao vivo sem sair de casa, sentado confortavelmente no sofá onde tudo fica à distância de um clique? E porque não?!

O melhor será mesmo parar por aqui…

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Domingo, Junho 18, 2006

O mundo nos dias de hoje na perspectiva de um “anónimo"

O mundo civilizado nos dias de hoje é sem dúvida muito diferente das milenares civilizações que nos precederam, de um mundo antigo fragmentado pelo desconhecimento recíproco entre os diversos povos passámos progressivamente a um mundo globalizado. Se outrora tal como nos dias de hoje a tremenda desigualdade entre ricos e pobres foi e é uma constante, as regras essas foram evoluindo.


Da aparente anarquia inicial evoluímos para um mundo regido por regras rígidas, que mais faziam lembrar um jogo de xadrez, onde cada um se comportava como uma peça de tabuleiro executando a sua jogada alienado de qualquer sentido de moralidade, existindo com o único propósito de fazer xeque-mate e assim poder subir um lugar no ranking. Na lista dos mais procurados, o poder era sem duvida o factor chave que fazia mover o mundo.

Nos dias de hoje sem dúvida partilhamos esse mesmo sentido de poder herdado dos antigos ainda que esse poder, salvo raras excepções, já não assente num tirano ou um regime totalitário. Antes, encontra-se dividido em diferentes poderes, assentando o bom funcionamento de um estado na articulação e na flexibilidade de interacção entre os diversos órgãos de soberania.

De diferente maneira os, media surgem como outra forma de poder estabelecendo uma ligação efectiva entre o poder institucional e o povo. Mais ainda, os media surgem como factor globalizante entre as diversas culturas entretendo, denunciando e informando. Se o poder se encontra mais repartido e em certa medida mais transparente ao comum dos mortais através dos media, porque é que é as desigualdades, principalmente aquelas que resultam da violação dos princípios fundamentais dos direitos humanos, subsistem como constante indissociável!? Será que há algum desígnio para tudo isto? Qual o motivo para que esses princípios fundamentais não vigorem? Haverá algum interesse oculto ainda por expor? Sinceramente vejo o mundo em mutação principalmente na percepção da nossa identidade/privacidade sem tempo nem lugar à reflexão. Como nos veremos a nós mesmos daqui a 10 anos? E os outros como serão aos nossos olhos?...

Só espero no futuro, não ter de viver como o humpty dumpty (personagem presente no conto Alice no Pais das Maravilhas de Lewis Carrol) pensando cada passo que haveria de dar para não cair do muro.

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Sábado, Julho 17, 2004

Meditação

   Deitado sobre a minha cama fecho os olhos e concentro-me num só pensamento, olho para dentro e vejo um só ponto branco, começando pálido, tornando-se cada vez mais luminoso e pequeno à medida que canalizo as minhas alegrias, tristezas, ódios e paixões nesse singular objecto. Até então tudo era consciência embora dispersa, desconexa e descontrolada, a mesma consciência que está espalhada pelo cosmos e que agora está focalizada num só ponto e que eu estou a ver, embora não perceba nem esteja minimamente preocupado com esse facto. Num ápice tomo a consciência de tudo como um todo, é tudo tão maravilhosamente belo, não fazia ideia que era assim. Uma agradável corrente eléctrica invade o meu corpo, começando na nuca e alastrando rapidamente até às pontas dos pés....a vida é bela!...é um privilégio estar aqui nem que seja só por este instante....lentamente o pensamento evade-se. Ao fundo começo a ouvir uma voz, primeiro difusa, depois estranhamente familiar....”Anda jantar!!! A comida já está fria”....bem...as nossas mães têm sempre razão...ou quase sempre.

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Segunda-feira, Maio 24, 2004

Pensamentos avançados...formas de expressão primitivas

11/05/2004 (à noite)

Não é novidade para ninguém que o ser humano é deveras um ser com uma mente muito complexa. Somos um ser que foi feito para pensar, senão experimentem ficar uns momentos sem pensar em nada...tarefa complicada não? Todos os gestos, todos os olhares, todos os tons de voz daqueles que nos rodeiam passam pelo crivo do nosso pensamento. O controle é tão rigoroso que o mais distraído poderá estranhar porque é que determinado indivíduo deixou de lhe falar sem qualquer motivo aparente.

Mas isto não é tudo...o nosso pensamento é tão complexo que é impossível expressar por palavras, muito menos por silogismos organizados, aquilo que nos vai cá dentro...aqueles que se aproximam mais são os poetas, que acabam por dizer aquilo que toda a gente pensa mas que não tem coragem nem capacidade para expressá-lo num raciocínio coerente e aceitável com valores vigentes relativamente a um tempo e a uma sociedade. Sim, valores!!! Ou pensam que aquilo que vocês pensam está desprovido de sentimentos, desejos, interesses ou convicções!!!

Os nossos pensamentos têm uma forte componente sentimental. Vejo o sentimento reflectir-se no pensamento de duas formas distintas. Como sentimento contido no pensamento que é irracional relativamente ao cânon da sociedade, mas que inconscientemente o tem em conta, tal qual fosse um reflexo espontâneo. Temos, por outro lado, o sentimento como força motriz do pensamento que passo a explicar agora. Andamos num estranho equilíbrio entre o ponderar muito bem as consequências das nossas acções sentimento-motivadas e o não ponderar de todo as mesmas. Por um lado a primeira hipótese oferece controlo e segurança mas torna a acção pouco espontânea e inibida. Por outro lado, a segunda permite atingir picos de genialidade, mas também permite atingir picos de estupidez. Os sentimentos são um catalizador com um potencial imenso potenciando a formação de novas conecções nervosas nunca dantes experimentadas. Assim temos mais e novos pensamentos prontos a saltar cá para fora e sujeitar-se ao teste do comportamento padrão. Assim, tendo em conta o que foi dito atrás, o sentimento está na génese e essência do pensamento.


24/05/2004 (à tarde)


Às vezes até penso que, em sociedade, vivemos numa espécie de equilíbrio instável. Equilíbrios contidos uns nos outros. Qual o mais abrangente e qual o mais restrito? Quantos equilíbrios? Será que é honesto falar em contagem? Será que estão estritamente contidos uns nos outros, ou assumem uma relação inimaginávelmente mais complexa? Às duas ultimais questões talvez saiba responder duma forma intuitiva, também são as mais genéricas; dão muita margem de manobra para não errar e para não cair na tentação de ser demasiadamente determinista. Mas às vezes penso...há certas alturas em que penso ser essencial ser determinista, temos exemplos na Física (teoria relativista de Einstein, que agora parece estar demonstrado ter algumas inconsistências (1) ), Filosofia (o conceito de tábua rasa de John Lock (2) que, apesar de incorrecta, permitiu retirar excessivo peso à inteligência herdada), Religião (o conceito de ecumenismo de Mahatma Gandhi unindo edifícios religiosos aparentemente incompatíveis (3)), Psicologia (Freud (2) e a tipologia da mente em três partes - id, ego e super-ego)
...

Acredito, meus senhores, que todas estas descobertas/teorizações são fragmentos de verdade, construídas com base em crenças, desejos ou até mesmo preferências...em suma...emoções. Para mim começa a tornar-se claro o quão importantes são estas emoções, que se equilibram(A) incessantemente com o super-ego ou com algo mais complexo, que poderia estar relacionado com equilíbrio (B) entre as nossas subtis especificidades, mas que ainda não atingimos. Consigo ver o equilíbrio(B) dentro do equilíbrio(A) e vice-versa, mas qual o peso que assume cada contribuição? Pergunto outra vez, será assim tão simples? Não creio. Acredito, de uma forma genérica, que as emoções são o vector que nos faz não ficar parado com medo de errar, talvez não sejam as únicas responsáveis meus amigos, mas paciência, a verdade vai-se saboreando à medida que, lentamente, nos vai sendo dada a conhecer...por deterministas é certo...mas não deixa de ser verdade.

22/05/2004 (à tarde)

Dada a impossibilidade de expressar os nossos pensamentos integralmente de uma forma coerente e aceitável, usamos nos nossos diálogos do dia-a-dia fórmulas optimizadas que se repetem incessantemente nas mais banais situações do dia a dia. Desta maneira, acabamos por usar todos a mesma linguagem, linguagem que anda a um nível mais baixo que o nosso pensamento... é o preço que pagamos para nos podermos entender. Àqueles que estão conscientes deste facto um pedido: tenham mais consideração pelo que os outros dizem, por ventura não será profundo relativamente ao que vocês pensam mas também estamos só a comparar batatas com cenouras.


1) João Magueijo; Mais rápido que a luz “A biografia de uma especulação científica”; gradiva; 2003
2) Sprinthall, Norman A.; Sprinthall, Richard C. ; Psicologia Educacional; McGraw Hill; 1993
3) Richard Attenborough; Gandhi (filme); 1982

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Sexta-feira, Abril 09, 2004

O ser humano numa fracção de segundo (2ª parte)

Encontro-me sobre um extenso campo verde sarapintado de flores, a família está toda reunida num piquenique, novos e velhos todos se apinham junto à comida, conversa-se à boca cheia entre cada garfada, sente-se a felicidade, respira-se a liberdade. Vejo-te preocupada para que não falte comida a ninguém mas no fundo estás feliz. Eu, no meio de todo o ruído harmonioso olho o teu rosto pedindo um beijo sentindo o teu cheiro, misturado com o leve aroma das flores, rosas, dálias, túlipas, malmequeres. De repente o negrume invade o espaço.

Vejo-me tão novo, já não me lembrava que outrora fora assim, estou num bar-discoteca rodeado de alguns amigos. Sentimos a batida e damos os primeiros passos, primeiro devagar só até ambientar, oleamos bem a máquina e o ritmo começa a aumentar entretanto já o comboio anda na pista e ninguém quer ser maquinista. Num instante começa tudo a andar à roda, vejo tudo fundido no intenso rodopio.

Sou outra vez criança, divirto-me que nem um perdido num daqueles carrosséis manuais, rio sem contenção sem qualquer preocupação. Naquele momento só o meu mundo de ilusão conta, qual astronauta que na sua na sua nave supersónica sulca os limites do espaço em busca de novos mundos. Em instantes tudo muda, desequilibro-me e caio do carrossel. A meio da queda, todo o meu pensamento anterior é sugado pelo terror antecipador da minha aterragem forçada...PUM!!!! Caí na áspera areia e estou estendido no chão, estou consciente e oiço vozes à minha volta, falam todos ao mesmo tempo não consigo perceber nada. De repente abro os olhos e, destacando-se dos vultos à minha volta, vejo a minha educadora com uns olhos preocupados a olhar para mim.
“Estás bem?”
“Acho que sim...deixe-me levantar”.
De repente tudo se dissolve...

Estou agora submerso por um líquido viscoso, o calor e o conforto envolvem os meus sentidos. É tão bom estar aqui!!! Eu daqui não quero sair. Consigo mover os meus bracinhos e pezinhos, articulo-me como um todo, não controlo bem os movimentos...dei um pontapé onde não devia, ups!!! De repente as águas agitam-se e eu fico alerta, oiço um potente palpitar de coração que ecoa por toda esta bolsa, enquanto isso sinto o calor que emana agora mais forte do corpo da minha mãe; ao mesmo tempo, começo a sentir umas cócegas, primeiro na barriga, junto ao cordão umbilical, depois por todo o corpo. Estou envolvido por uma corrente eléctrica que me faz sorrir...mãezinha boa!!!

Já não estou no útero da minha mãe...vejo agora uma luz ofuscante que, progressivamente, vai dando lugar a uma visão completamente diferente da realidade que em tempos conheci....

Era tudo uma ilusão. Futuro e Passado fundem-se, já não faz sentido a linha unidireccional passado futuro mas antes uma esfera temporal que expande e contrai continuamente. Esta superfície esférica, que é o tempo absoluto, é uma função de “infinitas” superfícies esferóides contidas ao longo de todo o diâmetro dessa esfera. Cada uma destas superfícies esferóides representa a inter relação entre um “ser” e o espaço que naquele instante habita. O desequilíbrio entre “ser” e espaço representa um afastamento da esfericidade e, curiosamente, é esse afastamento que provoca o movimento de toda a esfera temporal, que como um todo nunca se afasta da forma esférica. Assim, a função que define a esfera temporal como um todo, e que muda a cada instante devido ao desequilíbrio entre “ser” e espaço, irá resultar na alteração do seu diâmetro...

Já não sinto o paladar, já não vejo, já não cheiro, já não sinto, já não oiço...interajo directamente com a luz. Eu sou mas já não penso o mesmo...não tenho preferências nem necessidades pessoais...agora vejo tudo como um todo...

...mas se outrora assim fosse viveria como um louco.

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Domingo, Novembro 30, 2003

FADO

Vivo o fado
feito para ser jogado
Dei-to com graça
vivo em desgraça

Feito de ansiedade
canto pela saudade
Pranto angustiado
Preceito do fado

Pende minha vida
lambo mortal ferida
Limbo inspirador
acende a minha dor

Na tasca...

Rimo com a dor
lanço vivas ao amor
danço contente
ritmo demente

Marcha mais uma bejeca
não vá garganta ficar seca
são horas de alegria
marcha mais uma sangria

Enfim...

Percorro carrossel do fado
Corro contra o fado...

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Quinta-feira, Novembro 06, 2003

Se não pagas um copinho pagas com o corpinho

Era um quente dia de praxes...um caloiro despistado convive com dois veteranos bem regados. No meio de todo aquele convívio o veterano Cândido vira-se para o caloiro despistado e diz:
“Se não pagas um copinho pagas com o corpinho”
O caloiro consciencioso do seu dever dirige-se para o Bar da dona Ágata e, aproveitando a boleia do último cliente que comprara umas Cristais, pede três...
A dona Ágata responde: “Vieste tarde meu filho...” o caloiro replica: “e...não tem alternativa?” “Umas loirinhas são capazes de se arranjar” graceja a dona Ágata.
Quando o caloiro se chega à beira dos explanados veterano, o veterano Ambrósio vira-se e diz: “não sabes que esta é para pedreiros? Um veterano tem que explicar tudo...bem...acaba lá com ela antes que ganhe teias de aranha. O caloiro mama uma, mama duas, mama três, mama quatro, mama cinco, mama seis e não acabou a sétima...perdeu os sentidos por momentos...a cabeça rodava e o caloiro gregoriava, o caloiro chorava e o Ambrósio apalpava. Os veteranos aproveitaram o estado do caloiro para o levar a um bar gay...Bordas abertas era assim que se chamava...O caloiro que ia nos braços do Cândido, naquele seu estado semi-acordado ainda consegue ler à entrada o lema do bar: “Se não pagas um copinho pagas com o corpinho”...Os trocos do caloiro tinham acabado...o pânico estava instalado...caloiro só ouvia:
“Não se preocupe que não vai ficar entalado...damos-lhe uma pomada que o deixa aliviado...”

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