A vida em directo
Toca o despertador, o começo de um novo dia, deixo-me ficar na cama e desfruto destes últimos letárgicos momentos. Depois de me levantar a custo, arranjo-me e tomo o pequeno-almoço enquanto ligo a televisão e vejo as últimas noticias. Mais um bombista suicida provocou 12 mortos num mercado
- Passa-se alguma coisa dona Palmira parece que viu um fantasma!
- Não é nada Pedro, não consegui pregar olho toda a noite foi isso.
A sua resposta deixou-me ainda mais espantado, como é que sabia o meu nome? Nunca me tinha apresentado a ela, pelo menos que me lembrasse. Continuei o meu caminho pelo corredor em frente e enquanto não chegava ao escritório propriamente dito ia-me perguntando e preocupando com o que se iria passar a seguir, como é que seria o comportamento dos meus colegas? Não demorou muito a saber a resposta. Estavam uns sentados em frente aos computadores outros de pé a falar, parou tudo quando cheguei como se fosse o patrão a anunciar novos despedimentos na companhia, segui com passo estugado em direcção à minha secretária enquanto ouvia cochichos e risinhos. Estava a ser uma manhã maldita, não via a hora de terminar o dia. Sentei-me em frente ao computador e comecei por consultar o meu e-mail, tinha a caixa cheia de junk mail, olhei rapidamente para os assuntos de cada mensagem: Be the star of your company, Be famous from one day to another! Tomorrow shall i bring the umbrella? Esta última havia sido enviada à 6 minutos atrás, era impressionante como estes assuntos se assemelhavam ao que me havia acontecido esta manhã, apaguei todo aquele lixo e tentei concentrar-me no meu trabalho. Ainda assim era difícil, sentia-me o centro das atenções. Resolvi retardar propositadamente a hora de almoço para as 13h a fim de evitar uma multidão de colegas todos curiosos com a minha pessoa. Seria imaginação minha ou aquilo que eu pensava estar a acontecer estava a acontecer na realidade? Como de há um tempo para cá não conseguia dormir, esta impressão podia ser do cansaço, mas tantas coincidências juntas era de desconfiar. Ás 18 era hora de abandonar o posto de trabalho, resolvi ficar mais um tempo de forma a deixar passar a hora de ponta de forma a poder avaliar melhor a situação. Saí uma hora mais tarde, mais uma vez começou a chover torrencialmente no preciso momento em que pus um pé fora do edifício, mas desta vez estava prevenido com um guarda-chuva. Percorri em sentido contrario o caminho que havia feito de manhã, mas desta vez, para além da abundante chuva, trovejava, por sinal muito perto do local onde estava, o ruído era ensurdecedor. De repente dei-me conta de um raio cair mesmo no prédio em frente, que dia aquele! Cheguei à paragem de autocarro e esperei até que chegou o autocarro que me levaria de volta a casa. Entrei, parou imediatamente de chover, deparei-me com um autocarro sem nenhum lugar sentado ainda assim não se podia considerar cheio, todos pararam o que estavam a fazer para me olhar curiosamente, no fundo só se ouvia:
- Só espero que agora não nos caia um raio em cima!
De repente vi uma pessoa a levantar-se e a acenar na minha direcção, como se eu fosse uma câmara de televisão, e ela estivesse a mandar cumprimentos para a família lá em casa, olhei para trás para ver se estava alguém que pudesse justificar aquele comportamento, nada, estava tudo sentado a olhar, eu já enervado com todos aqueles comentários e atitudes perguntei:
- É alguma coisa comigo?
- E se fosse havia algum problema?
- Se me estivessem a acenar e eu não conhecesse essa pessoa para nada é obvio que havia algum problema.
O indivíduo de repente puxa de uma navalha e tenta-me atingir.
- Agora vais ver o que é um problema
Desferiu diversos golpes, e eu, a custo e com a ajuda dos solavancos do autocarro, conseguia-me esquivar. Na altura em que ele tentava desferir outro golpe consegui enfiar-lhe um soco na cara, acabou por tombar, altura em que o autocarro parou e aproveitei para fugir. Claro está que a chuva voltou em força enquanto eu corria com todas as forças que tinha, até que cheguei a casa, imediatamente parou de chover. Sentia um rubor na face esquerda, pus a mão na cara e vi que estava a sangrar, aquele filho da %&#) tinha-me atingido.
Depois de fazer o tratamento da ferida e ter trocado de roupa, liguei a televisão, estava a dar o jornal da noite, o pivot que apresentava o jornal virou-se para mim e interrompeu por instantes o que estava a dizer, tentou retomar o raciocínio mas era obvio que estava perturbado. Eu já enervado com tudo aquilo grito em voz alta:
- Mas que raio se passa aqui!!!? Não têm uma vida própria, porque carga de água me estão a observar, isto é alguma experiência e eu sou a cobaia, vão-se mas é f#$&!
O pivot tinha enrubescido era notório que tinha ouvido tudo o que tinha acabado de lhe dizer. Até que se decidiu
- Caros telespectadores, vamos ter que interromper este telejornal devido a problemas técnicos esperamos voltar com a maior brevidade possível.
Resolvi desligar o televisor, jantei e fui-me deitar na esperança de na manhã seguinte não ter passado tudo de um pesadelo.
Na manhã seguinte acordei em sobressalto, estava curioso por saber se tudo aquilo era mesmo real ou não. Levantei-me num ápice e liguei a televisão. A pivot estava concentrada a apresentar as notícias, não modificou a expressão nem se atrapalhou a falar, parecia ter voltado tudo à normalidade. Este foi um primeiro sinal que as coisas estavam normais. Faltava ainda perceber se as pessoas e o tempo também estavam normais. Lavei-me, vesti-me e comi apressadamente e fui para a rua, estava um tempo magnífico, nem parecia que tinha havido uma tempestade na véspera. Apanhei o autocarro, as pessoas no seu interior pareciam indiferentes à minha pessoa, senti-me profundamente feliz, era mais uma pessoa anónima, sentei-me e olhei pela janela e apreciei a paisagem como se fosse a primeira vez que a estivesse a ver. Desci do autocarro e caminhei confiante até ao meu emprego. Pelo caminho fui abordado por uma freira com um recipiente para moedas ao pescoço.
- Jovem, veja lá se pode dar uma ajudinha para as missões.
- Deixe lá ver o que é que se pode arranjar, irmã.
Peguei numa moeda de 2 euros e introduzi-a no recipiente
- Obrigado jovem, a sua ajuda foi preciosa…Deus faz de nós seus instrumentos, os seus desígnios são insondáveis e todos têm o seu papel a desempenhar, como se todos fossemos actores num grande filme em que todos os nossos actos têm consequências até mesmo no tempo que vai fazer amanhã!
- Irmã nem sabe como, mas compreendo-a melhor do que imagina…
Esbocei um sorriso mesmo antes de virar costas e enfrentar mais um dia de trabalho.
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