Sexta-feira, Julho 29, 2005

Não quero adormecer e acordar sem ti.

Mergulhar desamparada nos teus gestos
À espera de que na tua boca aflore, uma vez mais,
O meu nome.
E depois, o teu sabor trancado nos meus lábios
O teu cheiro nas minhas mãos
E a saudade.

Vanessa Pelerigo

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Quarta-feira, Julho 20, 2005

Contos do Exílio - O Regresso, Parte IV: A última vela (continuação)

Chegou a noite do dia seguinte e do velho nem sinal. Começou-se então a preparar para partir e assim que pegou na vara, dois vultos atravessaram a orla do clarão da fogueira e sentaram-se junto dela.
- Demoraste demasiado tempo a partir, ó Filho da Montanha! - Era o Mestre que lhe falava. Um dos dois vultos era o do Mestre, mas qual deles? Reparou então que ambos vestiam robes idênticos e apenas os cajados eram diferentes, sendo um deles de madeira clara e o outro de uma madeira escura. O do cajado claro virou-se então para o outro.
- Ó Guardião dos Cegos, tendes a certeza que ele está pronto?
- Tenho. -respondeu a voz do Mestre.
- Mas Guardião dos Cegos, ele parece tão frágil e tão perdido no mundo.
- Já vos esquecestes com quem falais? Já agora, já vos esquecestes de quem falais? - Esta última questão intrigou-o. Tinha a certeza que falavam dele, mas o tom empregue não se ajustava a nada do que vivera.
- Desculpem, mas que conversa é essa? - interrompeu.
- Filho da Montanha... Há tanto para saberes que te peço: senta-te connosco aqui junto ao fogo. Pela manhã partimos para o bosque de Caladon e queremos que nos acompanhes.
- Porque havia de vos acompanhar?
- Porque Caladon, fica longe de tudo o que conheces, apesar de estares relacionado com ele... - suspirou o Mestre - Mas senta-te aqui e ouve o que tenho para te contar.

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Não acabou de lhe contar a história naquela noite. Na realidade, muitas noites se passaram antes que chegassem ao velho bosque e a história terminasse. A história de como num bosque ardiam sete velas, cada uma representando um dos guardiões da floresta, a história do porque é que hoje só ardia uma delas, a do Guardião dos Cegos, o povo que vivia no coração da floresta, a zona mais escura e onde o mal, até recentemente, não ousara nunca entrar. Ao fim e ao cabo, a história do velho a quem ele chamava Mestre, a história do tempo que o Mestre procurara uma criança há muito desaparecida. Ele! O Exilado!
Em tempos idos, habitava no coração da floresta um feiticeiro que tinha um filho. No dia em que, pela última vez, o feiticeiro gritou de dor, a criança transformou-se em pedra. Os sete guardiães partiram com essa estátua para a mais alta das montanhas que conheciam. Uma vez lá chegados, soprou um vento terrível, que por entre fragas assobiava melodias proféticas sobre Caladon. Rezavam os ventos notícias de como gnomes e elfos devastavam Caladon, apenas poupando as zonas escuras, que eram assolaas pela fúria devastadora dos orcs, que armadilhavam os caminhos e incendiavam a floresta.
Dos sete guardiães, seis regressaram a cantar aquele que ficou conhecido como o Cântico do Vento, mas o Guardião dos Cegos ficou e tomou conta da estátua, até ao dia em que esta desapareceu.
- Um dia mais tarde passei pela aldeia dos Caminhantes. Contaram-me tudo sobre o que se passara e que culminara no exílio de um deles e numa luta interna na tribo, após a qual os Caçadores abandonaram a vida da aldeia. Desde a noite em que te encontrei até hoje é uma história que já conheces.

Estavam acampados na orla de Caladon, planeando como furar através das linhas de terror escarlate que se viam ao longe, bem dentro da muralha verde. Só ali culminara a história e encontravam-se a comer tranquilamente do pão que o velho tinha e que parecia não acabar! Quando mais tarde se preparavam para dormir, um grunhido próximo deles alertou-os.
O Mestre levantou-se segurando a vara na mão e começou a entoar um lamento, soprando como o vento nas copas das árvores e em simultâneo, como o zéfiro que bate nas fragas da encosta de uma montanha. O seu companheiro exclamou "A Canção do Ancião" e ele reconheceu-a, pois lá no fundo da sua alma aqueles suspiros e uivos eram-lhe familiares e sentia-se inquebrável ao entoar mentalmente aquela ladaínha. Subitamente uma horda de orcs surgiu da floresta. Mal tiveram tempo de se levantar e pegar nas varas, enquanto o Mestre atingia um orc violentamente na cabeça e partia a perna a outro. Assim que se pôs de pé, o Exilado entrou também em acção, servindo-se da hesitação dos orcs perante o ímpeto do Mestre. Rodopiando a vara acima da cabeça rachou o crâneo a pelo menos seis orcs. Graças ao treino do Mestre conseguia antever os movimentos dos inimigos e a escuridão não o incomodava, mas ali os inimigos pareciam uma avalanche que se abatera sobre eles, era impossível vencê-los a todos, morreriam ali, a lutar heroicamente! Quando o seu corpo começava a acusar o cansaço e o cheiro a sangue de orc lhe provocava vómitos, um urro ecoou na clareira e todos os orcs bateram em retirada.

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Domingo, Julho 17, 2005

Contos do Exílio - O Regresso, parte IV: A última vela.

Estava novamente sozinho. Olhava em seu redor e ainda não acreditava que estava outra vez sozinho. Vinha-lhe à cabeça a noite em que conhecera o velho e via nessa nopite muitas semelhanças com aquela. Noite escura e pesada, como se fosse uma treva eterna, o cheiro a pinho queimado a perfumar o ar e a única luz e cor provinha da tremeluzente chama da fogueira.

Ali no chão, ao lado da fogueira, repousavam as mesmas varas que o Mestre correra mundo para lhe dar. As varas que outrora haviam sido dele e que regressavam agora às mãos do seu dono. Faltava só o cajado do velho... Faltava-lhe tudo o que o Mestre simbolizava.

"Não sejas para o teu povo o que eu fui para o meu: a última vela a apagar-se..." Essa frase remoía-lhe a alma. Tanta coisa mudara, mas o desejo de vingança tomava agora uma outra dimensão. Não procurava vingar o mal que lhe fizeram, procurava sim mostrar que o Mestre estava correcto, procurava não destruir os outros, mas antes mostrar-lhes que estavam errados... O que para eles era pior do que serem destruídos!

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Treinaram durante três meses. Nos dois primeiros apurou os sentidos de uma forma que nunca o havia feito. No primeiro dos dois meses nunca viu a luz do sol, devido à venda que o Mestre lhe colocou. Teve de caçar, identificar árvores e plantas, sem que nunca a pudesse tirar e de noite ainda tinha de realizar percursos na floresta. Aliás, todas as deslocações que efectuavam, efectuavam-nas apena de noite, ele com o Mestre às costas, enquanto que este dormia pesadamente. No segundo mês apurou apenas a visão, de tal forma o fazendo que conseguia distinguir o suave movimento dos pêlos no braço do Mestre, quando à noite se sentavam à fogueira.

O terceiro mês foi de todos o mais exigente, uma vez que o Mestre o iniciou no treino da luta com vara. Ao ver a sua vara de guerreiro, um ramo de eucalipto forte e robusto, seco e endurecido pelo tempo e pelo fogo, sentiu um formigueiro nas mãos e lembrava-se dos duelos que outrora fizera. O Mestre contudo, trazia também a sua vara de Caminhante, uma vara bifurcada, pouco maior que ele e que havia sido toda ela trabalhada. "Tomei a liberdade de esculpir nela a tua história", disse-lhe o velho com um olhar terno e meigo, "Mas deixei a bifurcação para ti. Afinal, daqui para a frente a escolha é tua..." acrescentou. Na manhã seguinte começaram a treinar movimentos de combate. Apesar de se lembrar dos movimentos, os seus músculos encontravam-se demasiado entorpecidos, pelo que levou toda a manhã para readquirir toda a destreza e coordenação necessárias, tendo na parte da tarde treinado movimentos avançados, tais como defesas e ataques com uma mão. No dia seguinte o Mestre desafiou-o para um duelo e só então percebeu que o cajado do velho era sim um bastão de duelo, à semelhança da sua vara, endurecido pelo tempo e pelo fogo. O duelo durou o dia todo, pois o Mestre apenas o considerava acabado quando um dos dois caísse inconsciente no chão. O Mestre movia-se graciosamente, parecendo leve como uma pena ao vento, e batia com a força de um urso. A meio da tarde, já com um dedo inchado e um enorme alto na testa, vencido pela dor e pelo cansaço, caíu.

Sentiu o sol quente a bater-lhe na face e acordou. Era a manhã que se erguia e o corpo dele já não apresentava nenhuma das mazelas com que havia desfalecido. Não havia mais ninguém no campo, pelo que teve tempo para repousar. Quando o sol já se punha, apareceu o Mestre, que apenas pronunciou as palavras "Recomeçamos agora." e prontamente o atacou. Não evitando a surpresa, não conseguiu evitar ser zurzido com violência na cabeça e, tonto, limitou-se a defender nos primeiros instantes. Ao recuperar o discernimento apercebeu-se de uma certa cadência repetitiva nos movimentos do Mestre e deciciu passar ao ataque. na sua primeira investida, uma esquiva lateral, seguida de ataque às pernas, quase conseguiu acertar, mas no último instante o Mestre saltou por cima dele e atingiu-o violentamente nas costas.

- Paramos por agora. - pronunciou, enquanto ele procurava levantar-se. - Fazes progressos notáveis, mas algo me apoquenta agora. - olhou em redor e depois continuou - Vou ausentar-me por uns instantes, se não estiver de volta até ao pôr-do-sol de amanhã, dirige-te para longe da montanha, levando tudo contigo. Se em alguma altura não souberes para onde ir, procura uma árvore e segue o lado sem musgo. - Dizendo isto partiu, sem lhe permitir qualquer pergunta. Assim que o velho desapareceu atrás da folhagem, um corvo aterrou junto à fogueira e grasnou ruidosamente. Pelo menos não estava sozinho!

(continua)

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