Segunda-feira, Março 07, 2005

Contos do Exílio - O Regresso, parte III: O Mestre (cont.)

Ficou então sozinho com a sua refeição. Enquanto tomava a sua refeição, sentia que o mundo era agora um sítio diferente. Os pássaros cantavam nas árvores, o orvalho que pingava não era mais uma forma de saciar a sede, mas também uma forma de refrescar o rosto pela manhã. Encontrava-se entregue a um sentimento de espanto quando o velho regressou. Pela primeira vez apercebeu-se da real estatura do velho. Não era muito alto, talvez pouco mais alto que os seus ombros, tinha os cabelos lisos e estranhamente curtos e brancos como neve. A sua cabeça era redonda e os olhos pequeninos mal se viam, por se encontrarem sempre semi-cerrados. Possuia ainda uma longa e estreita barba branca, que lhe tocava o meio do peito.

- Não sei se já me apresentei. - começou por dizer - O meu nome é Mestre. Assim como tu foste um dia baptizado Exilado e outros que conheceste com os seus, assim eu recebi este nome. - Sentou-se ao lado dele e ateou o lume. - Vês esta fogueira? Ontem ardia de tal maneira que parecia ter nela todo o calor do mundo. Hoje, quando acordaste, estava morta, fumegando e pouco mais, no entanto agora voltou a pegar fogo e se a alimentarmos tornar-se-á um clarão a irradiar energia e calor. - Fez uma pausa para colocar mais uma acha na fogueira. Olhou para ele com os olhos suficientemente abertos para ele se aperceber do seu negrume, e disse então: - Assim é também a vida do Homem! - e os seus olhos faíscaram!

- O que é que isso tem a ver com o tu estares aqui? Como é que isso se relaciona comigo?

- Meu caro... - hesitou - Na verdade, tem tudo a ver contigo! - sorriu - Quando nascemos todos nós temos uma missão e todos os nossos passos nos conduzem para o momento em que vamos ser chamados a realizá-la. Não importa os empurrões que nos dão ou o quanto fugimos dela, invariavelmente acabamos por ter de optar entre cumpri-la ou não a cumprir. A minha missão é estar aqui, agora, contigo. A tua... revelá-la-ei mais tarde, porque só a ti te cumpre realizá-la ou não!... - dizendo isto calou-se e ficou à espera, perscutando-o com aquele olhar escuro e profundo.

- Mestre, - começou o Exilado - tudo o que dizes é muito bonito. De certa forma lembra-me a minha vida passada. - hesitou - Mas essa já passou! Com ela muita dor, muita revolta, muito sofrimento... - Ia acrescentar muitas pessoas, mas não foi capaz. - A tua preença faz com que as memórias do passado não despertem em mim uma fúria selvagem, nem causam a amargura das noites de luar. Assim é a tua missão porventura fazer-me esquecer tudo isso e devolver-me a minha humanidade?

- A tua humanidade já te foi devolvida. No momento em que abriste a boca e dela saíram palavras, aí recuperaste a tua humanidade! - Pareceu dizer a frase colocando um particular ênfase em "tu" e "tua". - A minha missão, Filho da Montanha, é fazer com que não esqueças nunca as amarguras da vida pelas quais passaste. A minha missão é fazer com que retornes ao teu clã e assumas o teu lugar como orientador da próxima geração de Caminhantes!

- Essa missão eu recuso-a! - interrompeu ele, num grito e com os olhos a arderem furiosamente.

(continua)

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