Contos do Exílio - O Regresso, Parte II: Encontro
Aquela floresta era-lhe tão familiar como se parte integrante de si mesmo, um mero prolongamento do seu ser. Cada galho, cada raíz eram-lhe tão familiares como se fossem os seus dedos e as suas mãos. Conhecia cada árvore como os seus próprios braços, o ribeiro saudava-o todas as manhãs e as grutas abriam-se ao pôr-do-sol, para que nelas repousasse em paz. Apesar de tudo isso, neste momento caminhava hesitante!...Era um sentimento novo e estranho. Ele, que se tornara parte das lendas sobre seres fantásticos e tenebrosos, caminhava hesitante. Ele que combatera alcateias de lobos e era visto como devorador de Homem e Animal, estava agora no lugar da presa, caminhando hesitante e receoso, rumo a uma chama que ardia tão longe e no entanto tão perto. Cada vez mais perto...
Subitamente uma forte lufada de ar da noite tapou-lhe a vista com os seus próprios cabelos desgrenhados. O seu instinto de caçador fê-lo correr para a sua esquerda e agachar-se na erva alta que aí brotava. Havia decidido avançar sobre a fogueira pelo lado contrário àquele em que antes de encontrara, de modo a evitar que o vento levasse o seu cheiro até quem quer que estivesse junto da fogueira. Colado ao chão começou então a rastejar. Quando finalmente se encontrava ao alcance da vista de quem quer que estivesse junto da fogueira, reparou que apenas um velho se sentava, de costas voltadas para ele, junto ao lume onde assava um pequeno animal. Atrás dele, pousados no chão, repousavam dois cajados e ao seu lado havia uma pequena trouxa, que mais não parecia do que um amontoado de trapos...
A Fome!... Esse sentimento escondido, esse desejo de pão, essa vontade de pegar numa vara, essa sensação que lhe acelera a pulsação, lhe retesa os músculos, que o isola de todo o mundo, menos daquele que os seus olhos conseguem captar. Já há muitas Viagens que não a sentia vibrar em si, mas a vista dos cajados acordou esse sentimento escondido nos recantos do seu ser onde a humanidade hibernava.
Imagens de uma vara partida, um grupo com tochas, um guerreiro vestido de verde, memórias passadas e imagens futuras, tudo lhe atravessava a mente enquanto contemplava o velho, que se encontrava agora de pé e a olhar atentamente para o local em que se encontrava.
-Levanta-te ó Exilado! O teu futuro começa hoje e não lhe poderás escapar! - a voz do velho ressoou pelas copas das árvores. Era uma voz cavernosa e ninguém diria que um velho de aspecto tão frágil seria capaz de fazer vibrar o meio em seu redor daquela forma. Aquelas palavras gelaram-lhe o sangue. Gelava-o não tanto a forma como haviam sido ditas, mas sim pelo que diziam e pelo que significavam. Aquele velho sabia onde ele estava! O velho revelara saber ainda algo mais, revelara que a sua humanidade perdida, não lhe era de todo desconhecida!
(continua)
Etiquetas: Barata, Contos do Exílio
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