Terça-feira, Janeiro 06, 2004

Sonho Solitário

No princípio era o nada. A escuridão, a penumbra, o autêntico vácuo, esse grande buraco negro, desprovido de Deus e de matéria. Estava sozinho! Ninguém me amparava, nada me sustinha e permanecia imóvel nesse pano preto.

Depois vieram um a um e foram-se um a um, zunindo pelos ares, uivando veementemente pelo meio das copas das árvores, que ardiam com chamas azuis... E a calma reinava nesse mundo que repentinamente surgira do nada. E o nada tornou-se tudo! Tudo o que pode haver na vida, desde os pássaros que cantam até ao penedo que ribomba montanha abaixo, liberto da sua inércia pela tectónica deste cobra-de-água suspenso no meio de tantos pirilampos luminosos, na noite interminável.

Ping, ping, pinga a água das folhas verdes, vazias de vida por fora e cheias de uma vivacidade interna que nem amanhã compreenderei. Gostava de ser uma delas, para morrer novo, quando no auge da minha beleza viesse um bulldozer e me esmagasse, poupando-me assim o ser martirizado pela raça humana.

A raça humana e as suas certezas provocam-me vómitos!... Antes morrer pelas mãos de um Homem do que ser um deles. Safa!

Sempre com a mania das certezas e a vontade de brincar a Deus! Reúnem-se todos em pequenos grupos que se juntam em determinados locais e falam mal de todos os que não são como eles e, se há entre eles alguém que não gosta do que ouve e se eleva para expressar o descontentamento, esse então está morto para eles e migra para o limbo do esquecimento, onde repousam todos os que não procuram inimigos.

Olho lá para baixo e as plantas vão morrendo, provavelmente envenenadas pela Natureza Humana, que tudo sabe, tudo tem e tudo pode.

No princípio era o Nada...

Depois veio o Homem...

E no final não ficou nada nem ninguém, fui só eu que afinal abri os olhos e me vi sozinho, sem ninguém!

Só...

Sonhando!...

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