Quinta-feira, Setembro 11, 2003

Pensamentos

Já se encontrava parado naquele ponto à cerca de hora e meia, não havia maneira de o trânsito avançar mas, finalmente, as buzinas dos apressados à muito que tinham deixado de soar. O carro encontrava-se quente, sorte era que o dia já começava a refrescar à medida que o sol se punha no horizonte, laranja e enorme, querendo levar consigo todas as nuvens que se concentravam ao pé de si, rosadas e parecendo tão fofas. Há muito tempo que não olhava assim para um pôr-do-sol, realmente a ultima vez tinha sido... Os seus olhos encheram-se de lágrimas mal pensou nela; claro, como se podia esquecer? Ela tinha morrido à um ano mas a dor ainda lhe ardia no coração como se tivesse sido ontem. Ontem não podia ser, ele tinha ficado uma semana em coma a seguir ao acidente e por isso nem sequer tinha assistido ao funeral.
Durante os dois meses que se seguiram nunca tinha ficado um instante sozinho, os amigos tinham medo que ele quisesse ir ter com ela tal era a força do amor que os unia. Eles tinham aquele tipo de relação que a maioria das pessoas invejava, eram uma só alma em dois corpos, unidos por sonhos, palavras e gestos. Ele, em todos os gestos dela, encontrava a calma e por isso ficava horas a fio a vê-la dormir, enroscada sobre si própria e a chegar-se cada vez mais em busca do calor dele. Não tinham tido filhos devido a ele mas mesmo assim ela ficou a seu lado, muitos outros casais não teriam resistido. As saudades que ele tinha dela. Porque é que ele tinha resolvido ir conduzir com ela nessa noite fatídica? Porque não tinham ficado simplesmente em casa? Ele adorava conduzir, não era preciso ser rápido mas pelo menos sentir o carro debaixo dele, controlar toda aquela força... Os amigos tinham fartado de repetir que a culpa não tinha sido dele mas do outro condutor que tinha passado o vermelho mas mesmo assim...
Deu por si a sair do carro, a juntar-se a todos os outros condutores impacientes que esticavam o pescoço para ver o que tinha acontecido lá à frente, mas em vez de olhar para a frente deu por si a olhar lá para baixo, onde a alta velocidade passavam outros carros que podiam muito bem o matar rapidamente. O sol ia desaparecendo rapidamente no horizonte lançando a sua sombra enorme no pavimento lá em baixo enquanto que as recordações passavam pela sua mente a mil à hora, mas soube que não era capaz, podia nunca mais apaixonar-se mas não poderia deixar este mundo sem pelo menos deixar uma marca melhor do que sangue no alcatrão.
Enfiou-se no carro rapidamente à espera de não mudar de ideias e foi quando os carros começaram a avançar devagar. Na faixa da direita, um pouco mais à frente, encontrava-se a polícia em volta de um carro parado, com alguns dos agentes a comentarem em voz alta pormenores macabros. O dono do carro tinha-se suicidado.